The Legendary Tigerman, “Fix
of Rock’n’Roll”, in https://www.youtube.com/watch?v=Ep1CEgFhcpc
Uma película – a reprodução, a
preto e branco, de uma fotografia. Como se o rosto estivesse virado do avesso. Os
ângulos ao contrário, as rugas ao contrário, os olhos olhando para o lado contrário
do usual, o cabelo emendado dos seus elementos grisalhos. O negativo da
fotografia. O avesso do rosto. E, todavia, um eu talvez profundamente
desconhecido que se encerra naquele negativo. Pode ser que dê azo a interrogações,
a fartas especulações sobre o estimado estado do avesso do eu que se dá a
conhecer. O negativo destapa o véu: pedem-se alvíssaras ao avesso cujos
deslimites são o presságio do negativo.
Que não haja más qualificações à
partida: pode o observador exterior descair para a decadência escondida no
papel desbotado do negativo. Pode julgar que, no avesso, o eu se esconde numa
tumultuosa armadilha, e que desse avesso nada que seja invejável será legado ao
conhecimento. Não sejam negativos os descaminhos do negativo. O lado oculto,
apenas levemente insinuado no rosto aparentemente transfigurado do negativo,
pode ser de melhor rês. Caso em que o avesso do avesso (ou o indivíduo que se dá
a conhecer) é uma pálida representação de si mesmo – dir-se-ia, um modestamente
envergonhado retrato, embaciado pelos filtros que a personagem que se situa no
palco do mundo insiste em dar a conhecer. O negativo pode ter a meritória
presunção de decapar a carregada maquilhagem que desfigura o rosto. Através do
negativo, podemos ser o que somos sem a necessidade de nos escondermos atrás de
um biombo. Deixamos de ser tresmalhados.
As cores que se emprestam ao
rosto, o positivo do negativo, podem ser um embuste. Uma construção astuciosa,
as cores ascendendo do seu manancial com uma nitidez impura, umas vezes
desbotada, outras vez dotadas de uma luminosidade efemeramente garrida. O negativo
é a melhor lente para apurar a ciosa textura do rosto, a verdadeira cepa de que
se compõe a personagem. Melhor dizendo: através do negativo, às personagens são
tiradas as farpelas e desagrilhoadas as algemas e, em sua nudez, aparecem com a
pureza do que são.
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