David Sylvian, “Nostalgia”,
in https://www.youtube.com/watch?v=BHpdAONEmZE
Sonham uns com asas que lhes
dessem a capacidade de voar. Para poderem planar sobre as terras, exercendo o
olho de pássaro para embolsarem a paisagem no seu bornal, sem dela serem vigilantes.
Outros há que sonham poder andar sobre a água. Guardando em si uma alquimia
indescritível, podendo arriscar os pés pelo espelho de água dentro, sem temor
das correntes, das marés, ou das ondas. Porventura, para apreciarem as costas
das ondas, atributo recusado quando contemplam o mar situados desde o lugar
onde o mar vem beijar a areia. Ou, porventura, apenas para saberem que é possível
meter os pés onde outros julgam ser o precipício, sem serem atraiçoados pelo
peso inestimável da gravidade.
Não haveriam de supor tal sonho
como sucedâneo de uma qualquer metafísica metáfora: não acreditam em
divindades. Dois passos dentro de água e nem os pés molhados. Avançando pelo
mar, sem temor, até se saberem num horizonte fora do alcance da linha de costa.
Para se sentirem autênticos arquipélagos, sem outros semelhantes nas imediações.
E, perseverando na sua alquimia, meterem as mãos nas águas do momento para
refrescarem o rosto de rugas hirsutas, adivinhando-as águas medicinais e as
rugas extintas mercê do medicinal tratamento.
Mais dois passos noutra latitude,
para experimentarem os aromas que se arqueiam em águas só aparentemente iguais.
Cuidariam de evitar os grandes navios, paquidermes ambulantes que sulcam os
mares em demanda dos mundos diferentes. Os navios podem causar dano maior do
que os mares desandados com a força dos pés que não se saciam com o desfile do
conhecimento. Já que se fala de alquimia: nem até as tempestades
providenciariam o medo institucional pelo mar, e os pés continuamente arremetendo,
em passos duplos, pelo mar que houvesse por ultrapassar.
Um dia, cansados de tanta demanda,
sedentos de terra firme, os pés regressam a cais seguro. Originais,
amadurecidos, repletos de uma riqueza incondicional, não preparados para o ato
da partilha como está convencionado nos compêndios da existência imperiosamente
comunitária. Pois os passos pelas águas dentro não são do domínio da
sensibilidade comum. Diga-se que não passam de matéria onírica. E os sonhos, não
contam na cartografia dos sentidos?
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