Wand, “Lower Order”, in https://www.youtube.com/watch?v=3OixbjGFHMU
If the future isn’t bright, at least is colourful.
A tentação inadiável de atribuir
importância a algo que seja levado ao altar onde se alojam as coisas
importantes: é um garrote que comprime a jugular – e os dias inteiros em que se
anda em demanda das importantes coisas parecem dias adiados, ou dias que não
chegaram a existir, pois o tempo ficou gasto antes do tempo. E da importância
consagrada sobra o critério para medir o compasso que nos rege. Dizem, em abono
dos compêndios seguidos: somos a intensidade do ser pela validade das coisas
importantes que vieram às nossas mãos. E se por acaso muitas delas ficam
emolduradas na poltrona das impossibilidades, é imediatamente decretado o logro
de quem somos.
Tudo isso está profundamente
errado. Não temos de ser os piores censores de nós mesmos, nem tem grande
serventia alçarmos ousados propósitos e depois convertê-los nas importantes
coisas que ficam à espera de entrega. O mais certo – se ficarmos reféns de tal conduta
– é metermos os pés no vazio consecutivo a um precipício que não deixou de ser labéu,
mas que fingimos não o ser mercê dos olhares promissores que foram depositados nas
tão importantes coisas. A colheita pode sair fracassada. Depois, às mãos vazias
chegam apenas as lágrimas de angústia.
Não temos de ser prisioneiros de
tão elevada bitola. Sensato será encontrar, nos interstícios das sombras,
pequenos fragmentos, coisas desimportantes. E saber preposterar o seu estatuto.
As pequenas, muito pequenas, coisas que se atravessam, ora frequentemente, ora
numa singular vez, no mapa do tempo de onde somos habitantes. Uma flor que
medra entre a folhagem ainda rara numa árvore ainda sujeita aos rigores do
inverno. A pequena onda do mar que desfaz o mar chão – ou o mar tumultuoso em
sua imponência. Uma estrofe hemodinâmica, e de como o laconismo das palavras
esconde, em suas entrelinhas, uma miríade de imagens. Uma música desemparelhada
dos preconceitos. Um gesto suave no rosto da mulher amada. O gato que se aninha
no colo, ronronando em rima metricamente absoluta. A implacável paisagem da
serrania, a sucessão de desfiladeiros alcantilados que mergulham verticalmente
numa estreita garganta onde o rio esventra as rochas. O sortilégio da
gastronomia, da sua confeção e das experiências (mesmo quando têm mau fim). Um monólogo da atriz no teatro, a
constelação de palavras que desce do palco à plateia numa enxurrada demiúrgica.
Uma cidade desconhecida que perdeu esse estatuto. O mundo que se ganha a
conhecer o mundo. A manhã. O mar que espreita pela embocadura da janela.
Tudo isto e o muito mais que se
possa arregimentar, à medida que fluem os dedos no teclado, à medida do
pensamento que ganha voracidade. Com uma advertência: devem permanecer
desimportantes coisas, alfandegando a sua ambição, sem se transfigurarem em importantes
coisas. A ser o caso, serão presas da colossal ambição. Nunca serão
importantes, na exata medida da sua desimportância. Por paradoxal que seja,
essa é a sua caução única: são anonimamente importantes, por serem
desimportantes.
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