As noites estão de atalaia e não mentem. As pontes não se deitam. Não têm sono. Arrumam-se na sua arquitetónica estilística contra as margens desamparadas, tornando-as unas. São o corpo diligente que se oferece a quem precisa de atravessar um rio, um lago, um mar. A qualquer hora. Até de noite.
As pontes não se deitam nem quando as noites atravessam o meridiano e endossam as pessoas para casa. Não têm férias. Ocasionalmente, desaparecem de cena quando estão senescentes e deixam de ser uma segura travessia. São substituídas por outras que superam as suas fragilidades. Se fosse feito um cálculo, valiam mais do que a mais preciosa das pedras.
As pontes são valiosos instrumentos de comunicação. Sem elas, pessoas que as atravessam não podiam falar umas com as outras – ou teriam de andar às voltas, em demoradas viagens, para poderem falar umas com as outras. A sua ambição é derrotarem os contratempos da geografia que exigem a sua presença. São obras mestras que cobrem os acidentes que a geografia deixa lacrados no mapa. Derrotam esses acidentes.
Há pontes ocultas. Também essas não se deitam, mesmo sendo difícil fazer prova da sua existência física. As pontes ocultas são a matéria-prima para as pessoas serem a sua natureza, seres gregários. São responsáveis por tecerem os fios que autorizam as ligações. Artesãs das suas próprias pontes. Antropologicamente cosmopolitas. A negação da misantropia militante que ensina a atomização de cada um. Para estes, as pontes são uma adversidade. Pois são elas que possibilitam que o outro seja alguém no seu eu, o que é tido como uma intrusão.
Não há pontes malsãs. A confirmação dos teares onde elas se entretecem exige reciprocidade. Se não houver, levantam-se portagens, erguem-se alfândegas, para a liberdade não ser um idioma de entorses. Quando são recíprocas, as pontes não se deitam. São elas que estão de atalaia, apesar de a noite estar de atalaia sobre elas.
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