6.7.21

Bater três vezes na madeira e esbarrar no sortilégio

Nitin Sawhney and Brian Eno, “Prophesy”, (live), in https://www.youtube.com/watch?v=iyiJHNB-P5U

O chapéu protegia dos demónios que acirandavam. Era como os contratos com as letras pequenas que ninguém lê e depois atraiçoam os contratantes; mas ele estava sempre três passos à frente dos contratempos, mesmo que os contratempos não viessem com aviso de receção.

A superstição era código de conduta. As superstições consabidas e as outras que eram parte da sua idiossincrasia. Ele era pessoa de bater três vezes na madeira para escorraçar o azar. Era incapaz de passar sob uma escada. Ficava sobressaltado quando se partia um copo. Não lhe falassem em amesendar com doze pessoas. Julgava – erradamente, como em todas as superstições – que a aparição de um aranhiço chamava dinheiro. Se olhasse para a conta bancária e o magro património saberia que os aranhiços não contam para estas contas. Já tinha idade para ter aprendido que as superstições quase nunca se confirmam. Mas insistia. Mesmo que alguns azares o tenham escolhido como vítima – como acontece, em doses variáveis, com qualquer um, como devia saber. 

Na falta de comiseração alheia, era aquele que se considerava a pessoa a quem calhou o maior quinhão de infortúnios. Era como se estivesse a suplicar pela comiseração dos outros. Não percebia como se sufragava num mar de contradições: se era tão metódico no alijar dos azares batendo três vezes na madeira, como era possível ser assaltado tantas vezes pelo infortúnio?

Um amigo avançou uma hipótese. Talvez não soubesse que era madeira o material em que batia quando queria exorcizar azares antes do tempo. Teria a certeza que a superfície era de madeira? Obrigou-se a um demorado exercício de lembrança para inventariar se era madeira ou um ardiloso sucedâneo. A superstição só se valida se a mão fechada bater três vezes numa superfície de madeira. Ao menos, enquanto prendeu a memória à revisitação dos lugares que receberam os três batimentos com os nós dos dedos, não repetia o ritual que se armadilha numa inutilidade.

Não sabia aprender. Uma e outra vez, contrariado por um contratempo, culpava tudo e mais alguma coisa pelo sucedido. Não lhe era dado a admitir que bater três vezes na madeira não era sequer um paliativo.  

Sem comentários: