29.7.21

Um gorro no Verão (short stories #342)

Rhye, “Helpless”, in https://www.youtube.com/watch?v=G4z64YEAiIk

          Um modesto agoiro das memórias. Era o exercício para os tempos livres. Um sobressalto contínuo, teimando em garantir ao passado uma importância que jurava não ter. Comissariava os despojos que vinham parar aos pés, como se fosse a lavra de uma maré que não tinha sido encomendada. Às vezes, é como se as memórias fossem um conflito permanente. Era um erro. Não se pensava na reinvenção do tempo enquistado, não era desse estalinismo que se tratava. No máximo, argumentava-se a eito entre as portas do esquecimento. A memória seletiva, talvez. Fosse como fosse, é sempre a colonização bastarda de um tempo sacrificado (o presente). Uma espécie de época estrambólica servida pelo fermento estival. Quando se intui a descompensação da rotina, entra-se pelo vau onde outra rotina se torna imperatriz. Assume-se a condição de refém das rotinas. Um exercício que metodicamente combata uma rotina é uma rotina que se instala, de sinal contrário. Não adianta suspender a dimensão do passado. Talvez o esquecimento cuide de dissipar à medida que nos atiramos à medida do tempo presente. A sua finitude não admite que se divida por compassos diferentes. É tão irrelevante ser curador do passado como avidamente tecer a esquadria do futuro. Oxalá fosse possível a emancipação do tempo, como se viver fora dele fosse a quimera procurada. Sem atraiçoar as memórias que têm vontade própria. Sem descuidar da atalaia que o tempo vindouro sussurra à menor distração. São dispensáveis os lugares que envidraçam tempos a destempo. Se corremos contra as diatribes de que não somos tutores, não nos ofereçamos como vítimas dos tempos que não domamos. Os sonhos sobrepõem-se à vontade. Se nem a vontade conseguirmos domar, não merecemos se não os acasos que em nós acostarem. Ficando à espera da gramática do futuro e da sua errante bússola.

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