2.7.21

Flor vadia (short stories #332)

Ólafur Arnalds, “saman”, in https://www.youtube.com/watch?v=jzcWhWrDnAY

          Não precisa de fotossíntese. A flor vadia fala pela sua boca hirsuta. A ela não vêm abelhas famintas. Não é conhecida por ser uma fábrica de pólen. Nem por isso deixa de ser cantada por poetas. Diz-se que os poetas não capitulam perante o logro das facilidades. Preferem que o olhar se demore nas coisas que não habitam no adro da obviedade. A flor vadia não se distingue pela beleza. Os mecenas da estética diriam encontrar flores que são mais belas. A flor vadia nem sequer é conhecida por ser odorosa. Nada disso interessa. É uma flor rebelde. Há um certo fascínio na flor vadia. A pose imponente é o aval da resistência às tempestades – ela não quebra por mais proceloso que seja o vento. Sobrevive ao calor exótico, quando outras flores congeminam a decadência se não forem regadas. A flor vadia não obedece às regras que a botânica definiu para as demais flores. É uma flor invulgar, uma exceção aos cânones. Um exórdio de liberdade. Não se deixa aprisionar por elementos exteriores que sejam a fraqueza de uma agressão. Ela não promete futuros quiméricos a quem a recebe; a flor vadia não consta do cardápio das flores vendáveis. As floristas abjuram-na: não tem valor comercial. É uma flor de que só os botânicos sabem o nome. As outras pessoas não dão conta do seu paradeiro. Ou, se a inventariam, é para a deixarem no labéu do anonimato – a flor vadia é uma flor sem nome. Por isso é tão especial. Por não ter nome, não responde a ninguém. Desembaraça-se dos embaraços que possam coagir a sua liberdade. A flor vadia é uma lição para as pessoas. Os direitos de personalidade cimentam-se nos nomes que as pessoas têm. A sua âncora é uma desliberdade. Pudéssemos aprender com a flor vadia. Ninguém queria ser famoso. 

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