Quando é que o improvável acontece? Não será o equinócio acertado para destemperar a imperturbabilidade dos dias habituais. Se as pessoas não tropeçam em contratempos, por que hão de vociferar a sua própria demência? Podiam figurar interrogações atrás de interrogações sem que nenhuma resposta viesse pelo meio. As portas que bradam nas entrelinhas do calendário povoam as incertezas em barda. Por cada incerteza, a pele sente perder uma camada do verniz que abotoa as improbabilidades. Agarrar o futuro é improfícuo. Nunca sabemos de onde sopra o vento que inaugura o futuro. Os cais limitam-se a cimentar o passado. Não se emancipam para uma página do tempo que ainda não existe. A maior imprudência é atestar uma autêntica impossibilidade. Se ao menos soubéssemos que as impossibilidades se esgotam no preciso momento em que são proclamadas, talvez o desassombro da ignorância não fosse lesivo. Não podemos se não ignorar o que não conhecemos. Que o corpo se esmague contra os ponteiros murchos de uma bússola errante, não é um acaso. Se as palavras forem sussurradas sem medo, elas sobem ao promontório onde um imenso véu escurece o horizonte. É esse o diadema do olhar. Onde ele esbarra na dimensão oculta do que não se oferece à revelação imediata. E os olhos sentem as gotículas salgadas que o vento mensageiro levanta pelo promontório acima. Os olhos marejados não se arrependem do futuro. Não se arrependem, de todo. Em vez de choros convulsivos ou de preces que suplicam sortilégios infundamentados, os olhos atiram-se ao abismo que é sempre o instante que se segue. Até que os embaraços exteriores a nós sejam uma convulsão com autoria que não a nossa. Deixamo-los órfãos, que deles não queremos sem curadores. Precatamo-nos. O improvável acontece sem recomendação a tempo. E nós, nunca chegamos a ele a destempo.
28.7.21
Sarrabulho doce (short stories #341)
James Blake, “Say What You Will”, in https://www.youtube.com/watch?v=JRUjtalz_1k
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