A filantropia não se aprende. Enquanto as sombras colonizam as claraboias, é melhor que o sono sobressaia. O resto, é por conta dos sonhos. Do acaso dos sonhos. Pode ser que os sonhos sejam generosos, que pratiquem a sua particular filantropia. E que não adeje o espectro de naufrágios entre o seu elenco. Os marinheiros não podem ser os mecenas dos seus sonhos.
O mar é um caleidoscópio de incógnitas. Por mais que os peritos o estudem, e que cotejem essa ciência com a meteorologia, há golpes surdos que mudam o mar de um momento para o outro. O melhor é estar sempre de atalaia. Não confiar na instrumentação do navio, que há o mar de fundo que se soergue sem pré-aviso para terminar a viagem que não tinha contratempos. Os marinheiros têm de estar sempre preparados. Para a distração há os dias em que não estão embarcados.
Eles não podem ter mão nos sonhos. Por mais que confiem na generosidade dos sonhos, não passa de um desejo que se armadilha no seu contrário. As claraboias ora escondem o mar iracundo, ora patenteiam o dia soalheiro e estranhamente calmo que se extraiu às garras da noite. Entre a noite e a alvorada, a intermediação dos sonhos. É aí que os marinheiros se entregam. Como se acreditassem que os sonhos são presságios de viagens vindouras.
Aprendem com a solidão. Porque o tempo em que estão embarcados é o rossio da solidão. Os mesmos rostos por dias a fio rivalizam com a extensão infinita de mar que os cerca quando navegam longe da costa. Essa é a definição de solidão no dicionário dos marinheiros. Já o navio nunca se sente só. Ele tem o lastro da tripulação que o conduz e que dele cuida. Os marinheiros protestam, em silêncio, contra a tirania dos mares. Protestam, e juram que se pudessem esta era a última vez que embarcavam. Mas regressam ao navio, como se ele fosse a sua pátria legítima.
Às vezes, um ou outro marinheiro escreve umas parcas palavras e enche uma garrafa (entretanto esvaziada) com o papel amarrotado onde elas foram depositadas. Às escondidas, atiram a garrafa borda fora. No código de conduta dos marinheiros, são os náufragos que atiram ao mar garrafas com mensagens. Um marinheiro não pode dar parte de fraco. Guarda as fragilidades para os seus insondáveis armários.
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