Um cachecol esconde a pele. A roupa inteira esconde os corpos. Quantas vezes as palavras são a metáfora do fingimento? E é assim que somos, adversários da nudez sem sermos servos da mentira.
Aos cachos, a voragem dos sentidos, das imagens, das pessoas e das palavras de que são mediadoras (ou que são, as palavras, as suas procuradoras). Um feixe ininterrupto que alimenta a complexidade que somos. Cada um, em si atomizado. E de todos, quando articulamos mesmo quando não queremos. Não se percebe quando as palavras escondem mentiras, quando são, elas próprias, a metáfora viva da mentira. A mentira intencional e a mentira piedosa; a mentira por acaso e a mentira necessária; a mentira que não se dá a saber.
Talvez sejamos ilhas rodeados de mentira. Ou a tradução da mentira, que toma de assalto a fortaleza simbólica que acenamos com orgulho quando afirmamos que somos imunes à mentira. Ainda ninguém inventou uma vacina contra a mentira. E não é possível. Muitas vezes, a indagação da mentira é uma empreitada improfícua. Sobram as dúvidas que se consomem em hesitações. É como se as vidas parassem à espera de saberem se a mentira se confirma. Entretanto, as almas entregam-se na especulação que as adia.
Dizem que a perna curta é a anatomia da mentira. Quando é intencional, o sangue efervescente transtorna a lucidez. O coração acelerado pode atraiçoar o ensaio de mentira. Se não for convincente, o seu autor é denunciado e identificado como mentiroso. Pior acontece quando uma perna curta tenta passar a perna a outra perna curta. Um duelo de pernas curtas salda-se pela perna mais bem adestrada no coxear.
Alguns desiludidos da hodiernidade protestam contra a banalização da mentira. É como se uma imensa multidão manquejasse por causa da assimetria entre as duas pernas. Falta saber se os que se alinhavam como tutores da lisura são os que mais mancam à verdade. Da vida levamos aprendizagens. Uma ensina que quem mais vocifera contra um estado de alma é o seu bem disfarçado intérprete.
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