20.7.21

O soldado conhecido

BADBADNOTGOOD, “Signal From the Noise”, in https://www.youtube.com/watch?v=gMEto80a2HY

Já não há o soldado desconhecido. Os rigores da identidade impossibilitam a existência do soldado desconhecido. Poupa-se na estatuária e no adereço da mitologia que distrai os cidadãos. 

Nem que sejam rostos escondidos por capacetes e máscaras antigás, os soldados nunca são desconhecidos. Se caírem em combate, é uma profunda impressão digital que confessa a sua identidade. É como nas empresas, com os “colaboradores” exibindo um dístico ao peito com fotografia (não vá dar-se o caso de a bota não bater com a perdigota) e o nome em letras visíveis. As normas da cortesia exigem que nos dirijamos a uma pessoa sabendo por que nome a tratar. 

Os exércitos deviam ser iguais. Os combatentes, de cada vez que fossem esvaziados de mínimos de personalidade e fossem atirados para um campo de batalha, deviam ostentar, e em letras garrafais, nome e patente (não necessariamente por esta ordem). E seriam obrigados a anotar num diário de bordo os nomes dos combatentes inimigos depostos no campo de batalha pelas suas munições.

Os soldados passariam a ser todos conhecidos. O nome exibido impediria que fossem desconhecidos. Ficaria por saber se os exércitos compostos por soldados conhecidos continuariam o vício sacrificial da beligerância, esse teatro de morte que responde pelo nome de guerra. Sem soldados desconhecidos, ficaria órfã a farsa de honrar um soldado caído em combate e sem nome para dar a uma sepultura. Pois as sepulturas ficam incompletas se não forem ornamentadas por um nome.

A todo o Homem é dado um nome à nascença. Um soldado também nasce enquanto soldado. Não perde o nome que traz tatuado na alma. Lega-o ao soldado que, na posse de um nome, não poderia ser destratado como mera carne para batalhas ordenadas por outrem, em nome de causas que perderam o rosto com a sua beligerância. 

O soldado conhecido devia, em homenagem ao nome que carrega no armário onde se esconde a sua vida, pedir escusa do morticínio. Porque o soldado que está do outro lado da barricada também tem um nome. É, como ele, um soldado conhecido.

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