O imperativo da avaliação, como mediadora da qualidade, tomou conta do presente. Os serviços prestados têm de ser avaliados. Os produtos comprados têm de ser avaliados. Se não estamos em erro, os serviços e os produtos merecem avaliações que os aproximam do máximo da escala. Sobram duas hipóteses: os vivemos num tempo em que a qualidade é de uma exuberância à prova de crítica; ou os padrões de quem avalia nivelam-se por baixo e os avaliadores nem dão conta do seu acrítico estatuto.
(Os exemplos são válidos para serviços e produtos, mas a mesma bitola aplica-se na avaliação dos funcionários públicos, com uma diferença: não são os utentes, mas os superiores hierárquicos, que tomam conta da batuta avaliadora. Correspondem ao princípio do dominó – uma peça que se inclina abate outra que se lhe segue e assim sucessivamente: o avaliador é avaliado por quem está acima na hierarquia e por aí acima, até ao ministro da tutela, que assina por baixo as avaliações antecessoras para confirmar que esta terra é a representação de um paraíso. O que fica sempre bem para efeitos de reeleição ou de perpetuação no poder.)
Talvez seja exagerada a primeira hipótese. Pese embora pareça que a qualidade do que consumimos é maior do que no passado, esse é um estalão que peca por excesso. O consumidor reduz-se a uma peça estática e os seus padrões são imutáveis. Apenas ajuíza a qualidade dos serviços e dos produtos. Se esta, que podia ser considerada a variável dependente, tem sofrido mutações favoráveis, não se pode esquecer a que devia ser a variável mais importante (por ser a variável independente): nós, que consumimos e avaliamos o que consumimos. Se o avaliador não atualizar os seus próprios padrões, deixa de fazer sentido enquanto variável independente. Os termos da equação invertem-se. O consumido passa a ser a variável independente e as pessoas são, por causa da sua omissão, transfiguradas em variável dependente. Talvez esta metamorfose explique a tendência da avaliação por excesso e a banalização da qualidade.
A mudança dos termos encomenda a outra hipótese: os nossos padrões de qualidade foram amolecidos por uma anestesia dos consumidores pelos meios sofisticados de sedução a que não conseguem resistir. Tudo é excelente – ou tudo aparenta ser excelente. Mesmo que não seja. O critério, e o rigor do critério, evaporaram-se no nevoeiro onde a publicidade fabrica logros constantes para domesticar o consumidor. A avaliação dos serviços e dos produtos torna-se uma farsa. Os consumidores são simultaneamente intérpretes e vítimas dessa farsa.
O que se segue é uma espiral sem saída possível: as técnicas sofisticadas de publicidade castram a autonomia do consumidor, que é encostado a um canto e tratado como um autómato. A cada avaliação por excesso, repete-se o processo, esvanecendo-se um pouco mais da vontade do consumidor. Até que qualquer fancaria que lhe passe diante dos olhos seja cuidada por ele como se de ouro se tratasse.
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