Não se invoquem as bruxas de ânimo leve. No santuário das superstições, tudo é regra para fundamentar um malogro ou uma incapacidade, ou apenas o apelativo culto da evasão da responsabilidade. É como se os mesmos fossem endossados, sem aviso de receção, para o altar onde as bruxas confecionam invasivos castigos que são a punição que se abate sempre sobre os injustiçados.
Mas as bruxas não são um escapismo tão simples. Elas só falam em espanhol, a crer no adágio confessado pelos céticos, que admitem a sua bipolaridade (não acreditam em bruxas, mas elas existem). E servem-se do castelhano para darem corpo à esotérica desconfiança que apenas serve de véu para ocultar uma crença.
Podia-se alvitrar que os ambivalentes que não acreditam, mas acreditam, em bruxas murmuram em espanhol não vão as bruxas hibernadas ouvi-los. Partem do pressuposto que as bruxas nacionais não conhecem o idioma castelhano, mantendo-se dormentes no seu casulo até serem despertadas para a maldade vulcânica que distribuem sem contemplações pelos destinatários escolhidos ao acaso.
Ou então, elas são nascidas e criadas em Espanha e quem, em surdina, confessa a sua dividida opinião sobre a existência de bruxas, serve-se do castelhano para as despertar da letargia. O que vai contra as convenções. A expressão idiomática, que é lusitanamente idiomática pedindo de empréstimo um idioma não nativo (talvez outra manifestação esquizofrénica), ensina a proclamá-la para afugentar as bruxas e bruxedos que possam semear uma dose de desdita. Mas talvez seja o oposto: quem o enuncia está a convocar as bruxas. Estas, só capazes de entenderem o idioma de Cervantes e seus descendentes, acolhem o chamamento e socorrem a superstição do proclamador.
A contradição de termos por nomear bruxas depois de ter começado por declarar que não se acreditava nelas é um prudente ato de superstição. Não admitem o poder transformativo de uma mezinha, mas ficam de pé atrás e não negam a possibilidade, só para não serem as vítimas de um mau olhado. Não são supersticiosos, que até fica mal admitirem-no, eles que são tão eruditos e a superstição é para os fracos de espírito. Mas também navegam no lodo da superstição.
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