O carrossel espreita pela ombreira, promete a vertigem inacabada. É como uma praia visitada por um tubarão, pese embora ninguém saiba das intenções do tubarão. Este é o maior exílio interior: desenhar, com a precisão da régua e do esquadro, as intenções presumidas porque, sendo presumidas, não são da nossa conta.
Um dia contaram a história do velho que não deixava de montar a ruidosa motoreta no poço da morte. A audiência ficava extasiada com tanta audácia, o velho certamente tomado pelas forças exauridas desafiando a lei da gravidade. Alguém disse um dia, ao saber da rotina do intérprete do poço da morte, que era o homem que desafiava a morte. Todos os dias, que ele não tinha direito a descanso semanal. Não era a morte que o desafiava.
Se algum dia fôssemos penhor de uma coisa qualquer, e se a pudéssemos escolher, que diríamos? Esta é uma das muitas perguntas sem serventia que os apóstolos das hipóteses tecem para matar o tempo. Que absurda expressão: matar o tempo. Como se não fosse o tempo o nosso algoz, quando sabemos, de fonte certa, que o gastamos sem nos podermos remir.
Passamos pelo carrossel que só nós podemos retratar. Às vezes, demandamos precipícios como se por dentro uma irreprimível loucura nos comandasse. Como se pilotássemos uma motoreta decadente a desafiar a morte e a motoreta se embebesse na ferrugem inacabada. Não seremos dignos do tempo que nos foi encomendado. Despistá-lo como úbere de um fingimento é a confissão da nossa contumácia. Faltamos à chamada. Outros diriam, pesarosos, que no martírio da morte saberemos como delapidámos o tempo sem sabermos da sua urgência. Mas esses são os que contam presenciar as suas próprias exéquias.
O tempo malparado não se cobre de lantejoulas quando a sua extinção foi selada. Com um pé no carrossel e outro no poço da morte, experimentados, seguimos o sortilégio que banaliza o bem maior. Perguntem ao velho do poço da morte se sabe dedilhar as sílabas da morte.
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