25.10.21

XXL, ou a mania do gigantismo

Lambchop, “Up With People”, in https://www.youtube.com/watch?v=M4PxY_RPBeM

A prodigalidade dos paradoxos: os modernos tempos desprezam a obesidade e escarnecem das roupas adamastores; e, todavia, o princípio geral do ensimesmar manda obedecer à ideia de que se é peça única quando o cotejo com os demais vem ao de cima, numa exacerbação do eu que o faz centrípeto e opado. 

O empolamento gravitacional não quadra com a humildade que os tempos arcaicos, de inspiração metafísica, traziam como exemplo. Pode ser a vingança do eu moderno sobre o eu castrado que outrora vivia enfeudado aos dogmas e às determinações da igreja. Não deixa de ser uma contradição insanável: como o eu é levado pelos modismos a verberar os corpos de volumetria excessiva, num arremedo de racismo hodierno, e depois o mesmo eu é fautor da sua própria inflação, aparecendo como um eu disforme, morbidamente obeso, num espelho que amplia a estatura do eu ganancioso. O eu é tão parcial que não se reconhece adiposo; os outros é que o são e, enquanto tal, são seres risíveis.

O hedonismo dominante não parece um mero incidente. É preciso esperar que o tempo se sedimente para avalizar uma observação descomprometida (o que não acontece agora, quando estamos imersos nesse hedonismo). É preciso saber esperar para emoldurar uma tendência reconhecida. Por enquanto, o ensimesmar compromete o desprendimento do eu que era ditado pela igreja e depois instruído pelos novos gurus que queriam fabricar o novo homem novo. Contra as tendências de outrora, o eu sacraliza-se. Torna-se o deus de si próprio, ponto de Arquimedes que julga ser independente dos pontos de Arquimedes que são a bússola dos outros. Como se as vidas fossem ilhéus sem correspondência entre si, fechados num casulo, impenetráveis.

Nesta moda decadente, todo o eu é o astro solar de que dependem os demais, apenas seus satélites. Será apenas o princípio geral de uma autofagia com contornos medonhos, pois cada eu centrípeto esbarra nos tantos eus centrípetos que não se demovem da sua condição. Uma batalha de desiguais que não o são. Entretanto, eus destes agigantam-se numa obesidade mórbida. Por mais que questionem o espelho (já não, como dantes, em demanda da confirmação da beleza, mas como verificação da sua sacralidade), não percebem como o espelho é um antro de mitomania: disfarça a estatura dos autoconvencidos, pesando-lhes o logro da elegância quando eles já deixaram de caber dentro de si.

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