7.10.21

Intendência do mundo audaz

In "Festival – New Directors New Film Festival", in https://site.fest.pt/pt/

O homem seguia a eito pela larga planície em direção à montanha. Carregava a tiracolo uma espingarda e levava uma criança pela mão. Seria seu filho (pense-se desse modo, especulativo, para conveniência das deduções). Caminhava, resoluto, às vezes quase arrastando a criança atrás do seu passo acelerado. O céu plúmbeo insinuava uma tragédia por acontecer. O homem só era visível de costas. Não estava disponível a sua versão facial para se tirarem conclusões (ou especulações) sobre a representação fermentada no rosto.

Era do céu plúmbeo que se falava, não tanto do passo pesado, e aparentemente na direção de um precipício, do homem armado. Só as costas largas do homem e o rapaz franzino, que parecia ir contra a sua vontade, contavam. Ele há tantas formas de resolver pendências – lamentou uma alma condoída que partilhava a fotografia, mesmo ao seu lado. Fingiu que não era com ele, não devia retorquir. Falou com o silêncio. Era a vez do vizinho não importunar a sua atenção à exposição. E, assim como assim, não lhe tinha sido pedida a opinião. Eis que confluem dois lugares paradoxais: o direito a falar com o direito de não ser importunado pela fala do outro. O seu silêncio tácito resolveu o atrito que não chegou a ser.

Dobrou a esquina. Talvez a fotografia tivesse continuação e o resto da história ficasse patente pela sequência que se seguisse. Não era o caso. Era fotografia única. Foi a fotografia que ficou a pesar no pensamento quando regressou a casa no piso superior do autocarro. Era a que se prestava a uma dose reforçada de especulação. Uns lugares atrás, a conversa animada era sobre a mesma fotografia. Ele insistia que não deduzia nenhuma mensagem, nem adivinhava um desenlace. Ela era a ebulição hermenêutica. Tinha a certeza de que o suicídio era o fim da história narrada pela fotografia. As cores baças, emprestadas pelo céu plúmbeo, eram a legenda que a fotografia precisava.

Entrou em casa, depois de sair três paragens antes do normal, para não ter de testemunhar os alvitres da mulher frenética. No caminho a pé, desprazeu-lhe o ar quente e húmido que era inusual para o começo do Outono. Estava difícil alinhar uns pensamentos traduzíveis. As ideias borbulhantes da exegeta da fotografia abatiam-se sobre as cortinas que procurava afastar para resgatar um módico de compreensão do acontecido. Era como se a confusão mental se misturasse com o ar insuportavelmente abafado do entardecer e sufocasse de apatia.

Formulou a sua interpretação. O céu plúmbeo era um disfarce para conduzir o espetador comum à representação banal de uma caminhada a par para o suicídio. Contra a norma, nele habitual, desligou-se da tragédia. Pai e filho iam à caça. Era a iniciação deste pela mão resoluta do pai. O céu estava escuro porque haveria vítimas a contar entre o mundo animal. O sol não se põe por conta da barbárie. Essa seria a lição que o petiz teria para aprender. Ou a lição que ele queria aprender, se sua fosse a posição do petiz.

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