8.10.21

Nunca dizemos adeus

 

Mogwai, “Ex Cowboy” (live in Sydney), in https://www.youtube.com/watch?v=JZORIYbiXcY

Nunca dizemos adeus. Nunca nos é dado o tempo certo para sabermos quando dizer adeus. Ou não há sequer um tempo certo para um adeus. Ou então, tememos os efeitos sísmicos de um adeus. Um rosto que não volta a ser visitado. Uma presença que se torna um eclipse perene. Ou a morte de um dos intérpretes do adeus de que se foge para dele não termos de fugir.

Nunca dizemos adeus e, contudo, não podemos atestar que um lugar visitado, um disco, uma página, um quadro, um filme, um poema, não voltam a ser palco para o nosso estar quando o futuro for desembainhado. Não dizemos adeus porque um adeus é sobre o definitivo e nós não queremos saber das costuras do definitivo. Devolvidos ao lugar presente, no miradouro de onde não temos vista sobre as marés vindouras, somos censores voluntários do adeus que se congemina. Calamos o adeus, não possa ele, possuído pela insubmissão, sobressaltar o nosso estar.

Nunca dizemos adeus porque nos situa num tempo de que não queremos ser mecenas. Pois o adeus confirma uma extinção e a extinção é o recordatório da efemeridade que nos assalta desde o fundo dos mais fundos pesadelos. Recusamos esse labiríntico pesar que nos consome o sangue são. Não queremos saber das derradeiras existências. Elas são o avesso da nossa finitude. 

Não dizemos adeus porque acreditamos que as portas ficam sempre abertas e podem ser franqueadas a qualquer momento. Um adeus encerra uma definitividade assustadora. Se levássemos a peito cada adeus que entoamos, era quase como se nos enlutássemos de cada vez que a palavra ecoa nas nossas bocas. Merecemos melhor do que um luto constante. O luto é a negação da vida. O adeus furtivo desmata um fingimento de que não nos exilamos. Um fingimento que disfarça a negação que nos consome, a negação de ver o tempo que nos pertence como matéria finita. 

Fugimos do adeus como fugimos da morte. Ou disfarçamos o medo do adeus pelas causas semânticas que são a ossatura da palavra. Nunca dizemos adeus porque o ateísmo, e o rigor semântico, nos impede de encomendar o que quer que seja a um deus sem existência. 

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