Vós, montanhas, que afinal não sois seres inertes e muito menos estéreis, tanto que sois parideiras de ignóbeis ratos, ouçam o plangente apelo das pessoas de bem (e todos somos pessoas de bem, como mandam os cânones do otimismo antropológico). Ouçam o nosso pesar, que nos amordaçam em pesadelos infames em que ratos soezes corrompem a nossa serenidade.
Sabeis, ó montanhas não heurísticas, dos vossos contrafortes podiam ser paridas outras criaturas que não desaprouvessem tanto o imaginário humano. Não sendo o caso, os humanos, que apesar de serem estruturalmente dados à bondade conseguem afivelar o rancoroso projétil da vingança, cuidarão de em vós pespegar o rótulo da ignomínia. Pois sois vós, montanhas teimosamente mães de vis ratos, a contaminar o palco imaginário em que lobrigam humanos tão adeptos da bondade e cultores de uma estética.
Sabeis, montanhas genesíacas, que os ratos são criaturas pestilenciais. Como podeis ambicionar a ser cantadas por vates enamorados das paisagens bucólicas se vos são imputados partos de ratos morbígeros? Não dais conta da contradição em que vos encerrais, ó montanhas que capitulais nesta dobra insensata? Não fosse serem parideiras de ratos e serieis a causa de uma provável loa tecida por humanos que se deporiam aos vossos pés, tanta a beleza que de vós irradia.
Podeis contrapor, em defesa da vossa honra, que vós, montanhas afinal matéria inerte, fostes arrastadas para este opróbrio à revelia da vossa vontade. Uma indagação não exaustiva desalfandegará conclusão lapidar: foram humanos que inventaram a expressão idiomática, ou a metáfora sanguínea, que vos cola à pele o ultraje de serem as mães de infaustas criaturas como o são os ratos. E quem dá à luz criaturas deste jaez delas não se distingue: vós, montanhas, serieis tão deploráveis como os ratos de que sois parideiras. O que é uma manifesta injustiça – argumentais em vosso favor. Pois não foram tidas nem achadas na tecedura da metáfora.
Endossais, pois, as culpas a quem teceu semelhante metáfora. Afinal, os humanos podem não ser credores da infinita bondade que se autoatribuem. Ou a bondade é, afinal, finita, e a indiligência humana com as metáforas é seu pergaminho.
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