Procuro o mapa como quem tem sede do tempo. Sob o olhar, na penumbra que dele se esconde, está inscrita uma lei de bronze: já não é preciso um mapa. Os tempos avivam uma historiografia diferente. Em surdina, uma voz preenche o espaço, dizendo: tens de apanhar o comboio da tecnologia.
O mapa era um romance artesanal dedilhado pelos dedos, perscrutado pelos olhos ávidos de novas geografias. Num mapa continha-se o labirinto das estradas que se entreteciam nos dedos, como se fosse possível as mãos serem tutoras de todas as estradas. Se em vez de um ermo houvesse a diligência do olhar, os mapas eram trazidos à colação. Ninguém achava um lugar demandado se não houvesse um mapa por perto.
Hoje até os aviões voam sozinhos. Os carros levam ao destino pela voz feminina que se esconde no utensílio que substituiu os mapas. Hoje, somos cada vez mais autómatos. A vontade desprende-se da sua órbita, enquistando-se na vertigem da inércia. Somos educados para aplaudir o que a tecnologia faz por nós, todos aqueles papeis em que deixamos de ter um papel porque a tecnologia inventou um meio de ocupar o nosso lugar. Somos treinados para aceitar que o marasmo tome conta de nós sob a forma do conforto que a tecnologia supõe. Acabamos reféns de uma inércia que nos devolve a um arcaico lugar.
Hoje, os aviões quase aterram sozinhos, mesmo que esteja um nevoeiro que embacie tudo. Hoje, vamos para uma balsa e não temos medo que o nevoeiro que tomou conta do rio seja o presságio da catástrofe. Os instrumentos navegam por nós. E nós somos cada vez mais agentes passivos neste processo. Desabituamo-nos de sermos o que éramos, talvez já formatados para usufruir as vantagens da tecnologia, sem darmos conta da metamorfose. Não precisamos de ser diligentes.
Dirão, contra o diagnóstico pessimista: a tecnologia é obra da mão humana. Não há tecnologia que se invente a si própria. Quando tiramos partido da tecnologia, exercemos a diligência que gente como nós teve para dar um salto no tempo através do avanço da tecnologia. Do processo resulta o hipotecar da autonomia das pessoas. Por muito que a sua qualidade de vida melhore à mercê da tecnologia que avança, inexorável (ao que parece), faria sentido sermos inquisitivos para perceber se a mão dada pela tecnologia traduz uma melhoria da qualidade de vida. Falta sopesar o que se perde no processo para aferir o resultado final.
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