11.10.21

Desta alma que na dor se não consente (short stories #363)

Rodrigo Leão, “O Método” (ao vivo na Antena 3), in https://www.youtube.com/watch?v=YYb2bIS-HDo

          Não é no sobressalto que se firma o húmus. A lucidez amarrota-se em teimosias várias, enquanto a pele entardece nas rugas que sinalizam a senescência. Porém, a alma fala mais alto. Alteia-se no miradouro onde todas as luzes se condensam. Estilhaça todo o mal que a procura como enseada. Não colhem as malfeitorias que ninguém pode jurar não terem sido cais. O consentimento só se apalavra no avesso dos contratempos afivelados numa má estação. Os pútridos lances não vão a jogo no leilão a que se deitam as almas. Para além dos labirintos, marejam os pesares inúteis que querem quadrar com o arrependimento. A alma cresce em força e murmura, repetidamente: o arrependimento é um pálido esteio; o arrependimento não se ensaia a não ser nos bocejos de decadência que ascendem desde um lugar recôndito. Em vez da lava diletante, a pele serve-se de tatuagens embebidas nos poemas ao acaso. Diz-se: um poema sempre é um poema – como se fosse a caução do que aparece inscrito na pele tatuada, o salvo-conduto que desaprova as superstições e os maus olhados que elas ousam combater. Estas são as almas sumptuosas, um barroco estar que não se alinhava pela jugular da simplicidade. Este é um palco onde se entretecem almas contínuas num consulado complexo. Não venham os gurus das coisas fáceis desmatar uma retórica esgotada. Desenganem-se, os gurus e quem os segue. A alma que é império de si mesma contém as estrofes que são pedras preciosas à procura de um paradeiro. A alma é esse paradeiro. Não precisa de inventariar muito mais, para além dos amores que se estimam como desmentidos da angústia. Não é uma alma escapista. É o verbo generoso que desautoriza as dores interiores. Seu é o consentimento para a diligente rosácea da vida.

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