A coabitação de diferentes é uma empreitada nem sempre admissível. Se são as diferenças que somam à superfície, e se os que coabitam preferem exacerbar as diferenças, a coabitação pode ser uma caixa de Pandora. Às vezes, as armas são terçadas e a demência do sangue derramado é o idioma que sobra.
Os otimistas, sempre dispostos a desmentir a face negra que tempera a humanidade, oferecem a solução do condomínio. As diferenças não podem ser um embaraço se a coabitação é indeclinável. Não seja considerada a hipótese beligerante de um dos coabitantes querer exercer monopólio sobre o domínio, expulsando o outro coabitante por meios violentos. Fora esta hipótese – que deixa patente o lado sombrio que se empresta ao pessimismo antropológico – a coabitação exige meios de tolerância, um roteiro de concessões para que um equilíbrio mínimo seja aceitável entre os coabitantes.
Não se exige a diluição das diferenças. São as diferenças que oferecem o cunho da identidade aos coabitantes. O que se exige é que as diferenças não sejam a desintermediação da convivência pacífica, de um módico de tolerância, do respeito mútuo. As diferenças não podem ser desembainhadas como um trunfo que afirma a superioridade de um em relação ao outro. As diferenças são o que são: diferenças. Não se pede que as idiossincrasias desapareçam da cartografia da identidade de cada coabitante. Para seu próprio conforto, impõe-se um quadro mental predisposto à convivência sem atritos. Pois o chão que habitam não é diferente por serem diferentes as suas identidades. Nem os frutos colhidos têm diferente linhagem apenas porque são colhidos num dos lados onde os diferentes coabitam.
Os que acreditam na bondade da espécie como último reduto que se sobrepõe à sua capacidade de beligerância propõem a federação de interesses que exceda os antagonismos. A lógica das concessões é essa aritmética. Não se espera que os coabitantes sejam os melhores amigos. Apenas se espera que finjam que as diferenças deixam de ser o fermento da beligerância. Um fingimento bondoso, em nome do conforto dos coabitantes.
A dinastia cipriota é o rudimento da convivência em condomínio. As desinteligências podem não chegar à altitude dos antagonismos entre os coabitantes cipriotas. Mas ninguém muda de casa por não suportar o vizinho do segundo direito. Nem faz a vida negra ao vizinho do segundo direito à espera que ele mude de casa.
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