Escolhias a casa da partida. Era-te dado esse privilégio. Porventura, nem davas conta. Escolhias a casa da partida e parecias não perceber. Protestavas contra o que não tem importância. Contra os nadas que não tinham tamanho nem convocavam qualquer sobressalto. Limpavas do horizonte a tela ensolarada e deixavas que ao de cima viesse o cardápio de nuvens tempestuosas. Esperavas pela chuva. Contra os caudais estabelecidos.
Se da casa da partida te era dado a saber a vantagem de a saber escolhida, podias não protelar a condição oferecida. Que não quisesses saber de presságios, ou de superstições que esbarravam na racionalidade de que te julgavas empossado, era compreensível. Cada um toma-se pela métrica que se afere. O que não se podia desculpar era a indigência da oportunidade que desperdiçavas. Porque a desperdiçavas intencionalmente.
Haveria de chegar o momento crucial em que a interrogação já não podia ser recusada: o que pretendias com a errância de que eras propositadamente refém? Não reconhecias legitimidade à interrogação. Não eras, ao que parece, o contexto que se oferecia à interrogação assim formulada. Admitias que a teimosia embaciava a lucidez que peticionava o seu lugar. Admitias que nem sempre jogas com os dedos inteiros, deixando de ter serventia o privilégio da casa da partida que te foi dada a escolher. Não sabias encontrar as razões. O que estilhaçava o império da racionalidade que te era matéria estrutural.
Intuías que o amanhã era uma metáfora fortuita. Não falavas esse idioma e não fazias nada por o aprender. Antes que uma maré tumultuosa arrancasse as veias ao seu sopor, traduzias o sangue em fala diplomática. Mesmo sabendo que a fala diplomática se compõe nos interstícios das palavras, como se os segundos sentidos deixassem de ser peças sobressalentes e passassem a ser as quimeras que nos guiam. Dizias: eu não tenho medo de não saber a geografia do amanhã. E entregavas-te ao avesso do tempo, como se o passado viesse colado ao futuro e, num colossal paradoxo, os opostos se traduzissem numa só coisa.
Deixaste desalgemadas as asas do mundo. Como querias o teu pensar, a tua vontade irrefreável como mandato centrípeto. Falavas ao vento, como se as palavras fossem transfiguradas nos nomes de pessoas sem rosto. Contavas, numa aritmética conspícua, as cordilheiras que haverias de ascender. Nem que fosse para descobrires o caminho de volta.
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