Ninguém sabe como é mergulhar num mar tempestuoso. Dizem os peritos que um mar destes é assassino – daí não haver notícias do fundo marinho quando o mar mostra o seu rosto facínora. Se os mortos pudessem falar, alguns deles saberiam ser testemunhos válidos, se conseguissem arregimentar a lucidez perdida no crepúsculo da agonia e se o mar não fosse turvo.
Ninguém sabe das intenções logradas que nem sequer chegam a ser planos. A voragem do tempo contenta-se com o sacrifício das intenções condenadas a serem malogradas. A página que se vira salta outras que seriam a intercessão por um plano diferente. As páginas saltadas são os palcos que não chegam a ser pisados. Deixam de ser paradeiro dos passos, assim feitos párias. Não nos entregamos ao desconhecido, a não ser por óbice ajuramentado contra as dores que são a consumição existente.
Ninguém se adiante ao Alentejo se a demanda é para Norte. A geografia tem o seu domínio. Exige-se, aos viandantes, que saibam para aonde vão e como vão lá chegar. As bússolas não rareiam. Não se justifica que haja quem erre por ermos lugares à espera de saber onde se situa. O pensamento transita de lugar em lugar como razão válida para ser consultado.
Ninguém se encontra perdido na aridez do tempo. Ninguém se consegue esconder do tempo. Depois da manhã sem sombras, quando o nevoeiro enfim se desalimenta do dia, os olhos desembaraçam-se das algemas que os prendiam às reservas mentais. O odor da liberdade é incomparável. É a latitude que basta para sentir a grandeza da alma, que já não se despenha no precipício coreografado pelos algozes, que entretanto se desativa.
Ninguém se oferece de graça à morte. Ninguém, entre os vivos, pode dizer de viva-voz o que é a morte. Não se concebe que alguém possa ser sequaz da loucura em nome próprio. Até que as portas se abram para o destino sem remédio. Nessa altura, em que já não tem serventia terçar armas contra o fado inapreciado, o corpo inteiro entrega-se à morada final. Ninguém sabe estimar tamanha desquimera.
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