31.1.22

Corpo e meio

Black Country, New Road, “Concorde”, in https://www.youtube.com/watch?v=yjC4qXiBRu4

O corpo exsuda a sua geometria. Olha pelo altímetro da usura que se lê no parâmetro dos seus limites. O corpo diz de si mesmo que há de provar que os limites estão no exterior do estabelecido. É dessa matéria que é feito o corpo que ambiciona ser corpo e uma fração a mais.

Em braçadas compassadas, o corpo rompe o estuário como quem se afiança de um fim. Às vezes, parece que a paisagem desafia a estatura do corpo: ao longe, a paisagem parece apenas um traço fino que não rivaliza com a estatura do corpo. Ele não desmobiliza no areópago onde a paisagem denuncia a pequenez do corpo que a desafia. Nem assim se desmobiliza. Calcorreia as levadas meticulosas que se sucedem em distâncias que não são rarefeitas. Ao cabo da jornada, o corpo vingou-se da paisagem. Entronizou a sua proeza quimérica.

Dizem os invencíveis – aqueles que não acreditam na sua finitude – que esta é a serventia de um corpo: ser o seu próprio deslimite, riscando do mapa das impossibilidades as rasuras que eram a sua contrafação. 

O corpo é a medida válida por que se afere. Grandeza que apenas espera ser desmentida, até que o burel se arregimenta numa fasquia maior. Nesta vertigem, o corpo não acredita em limites. Aposta em vencê-los, provando que eram infundamentados. Se o corpo fosse humilde diria que os limites agora revistos tinham sido reféns de uma aferição não intencionalmente escrupulosa. Seria como se medisse o limite abaixo do possível para o ultrapassar sem ser interpretado como uma empreitada escarpada.  

O corpo deixa de ser corpo e passa a medir-se como corpo e uma fração. Almeja ser corpo e meio. Para se reembolsar num módico de reserva que serve para descontar nas anomalias que a parte inteira vai conhecendo à medida que o tempo for distorcido. Enquanto não precisa da parte restante, apresenta-se garbosamente como corpo e uma fração – como corpo e meio, se o diagrama das intenções não foi atraiçoado. 

Depois, quando perde as rédeas da sua geografia, o corpo que nem sequer chega a corpo inteiro, servido pelo sussurrar da melancolia, será a desmedida da sua pretérita condição.

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