27.1.22

Extradição (short stories #373)

No Words Left, “Pictures of Your Mind”, in https://www.youtube.com/watch?v=6jgx3epsOBI

          Arrumado o mapa, não ficava inventário em pendência. Contra as convenções do idioma, havia extradição sem ter sido completada contra a vontade do extraditado. Foi ele que se retirou do lugar habitual e demandou nova morada. Podia-se argumentar que é um caso de exílio, por ser voluntário. Ele insistia: era extradição. A recusa do lugar devia-se ao apelo pelo lugar outro, demandado com o abandono do lugar que já só era casa da partida. Sentia-se desapossado do sangue tingido por uma identidade. Mas não era de vazio que se alimentava. O esvaziamento foi ditado pela convocatória do outro lugar. Era como se este lugar tivesse um íman e ele não pudesse recusar a partida. O lugar que era a casa da chegada tinha requerido a sua extradição. Como se a alma se transfigurasse ao saber da convocatória do outro lugar. Talvez fosse apenas um pretexto para jogar com uma metáfora: o apelo do outro lugar não ateava a vontade contra os alicerces que se compuseram até a essa altura. Não se diga que a vontade se dissipou. Pois que, nesse caso, poderiam epilogar – e com propriedade – que a sublimação da vontade à convocatória do lugar da casa de chegada seria um pretexto para abandonar a casa da partida. Para desse lugar fazer a casa da partida, exangue no seu recurso, em vias de extinção no tabuleiro em que se terçam as novas peças. Na noite em que as horas não tinham peso, o pensamento vogou na mais pura liberdade. Não foi grande ajuda. Os poros costuraram a ascese sem saber do paradeiro do pensamento. A obstinação não deixava de permanecer como seu par. A resolução estava escriturada no altar das intenções. A obstinação prevenia a cautela da marcha-atrás. Com a manhã, veio a revelação do novo mapa. O mapa depois da extradição consumada. Atirou-se a ele, de corpo inteiro.

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