18.1.22

Aquelas mãos que eram um mapa de rugas


Não se disputam as credenciais de umas mãos que são um quadro inteiro de rugas. A idade avançada orquestra-se nas cavidades conquistadas a custo pelo envelhecimento substancial. Umas mãos assim enrugadas são o bilhete postal da senescência. 

E, todavia, os olhos detêm-se no mapa farto de pele amarrotada como selo de vivência demorada. Os lugares-comuns aprestar-se-iam a glosar o princípio geral da delongada experiência de vida como selo farto daquelas mãos. Seja permitida a divergência do estabelecido: uma vida estendida na linha do tempo não é sinónimo necessário de experiência aquilatada. Que não se esqueçam os observadores destes fenómenos que não é pelos números que se aferem medidas destas.

Para os olhos que se detêm nas mãos que são um mapa de rugas desfilam interrogações incessantes: os pesares que pesaram sobre o corpo em que repousam as mãos observadas; as aturadas empreitadas de que terão sido tutoras; os descuidos que não quadram com o hedonismo consagrado pela modernidade, que encomenda à indústria da cosmética cremes que retardam o engelhar da pele. Todas as interrogações são deixadas em banho-maria, para posterior indagação (se ainda houver vontade em autorizar a indagação quando a posteridade reivindicar o seu lugar). 

As mãos possuídas pelas rugas sinalizam a melancolia? Outra vez a desaprovação dos lugares-comuns: não se diga que aquela mulher é um étimo de sofrimento porque os olhos esbarram nas mãos tão marcadas por um tempo que terá sido madrasto. Pode ser um acaso da genética – ele não há pessoas que envelhecem antes do tempo e escondem o fenómeno nas rugas que apenas se apresentam nos corredores do pensamento?

Os limites da loucura não são rasantes às rugas fundas que adulteraram o mapa original da pele. Segundo os apóstolos dos lugares-comuns (sempre tão em voga – sempre tão festejados pela turba, que se enamora pelo fácil e expedito), ninguém foge da velhice e da metamorfose dos corpos que acompanham a irremediável sinfonia do tempo. As mãos da mulher velha são como uma cordilheira cheia de abismos e alcantiladas saliências. São intransponíveis. Não se alisam na intenção de devolver uma segunda oportunidade ao tempo gasto.

As mãos estão entrelaçadas porque se habituaram a ler as cavidades que foram ganhando expressão como prova da demorada existência. Entrelaçam-se uma na outra, à falta de outras que nelas se afaguem. As mãos como mapa de rugas são (muito possivelmente) a metáfora de uma viuvez precoce.

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