13.1.22

Nas costas da imensidão

Spiritualized, “Crazy”, in https://www.youtube.com/watch?v=3vCcjlcJ8JM

Possivelmente enganado: não era curador a não ser das dúvidas que a maré dava à manhã. Um pouco como uma maré contraditória: o que mais se media eram certezas contundentes, imperativos categóricos. Estava por determinar se quem as bolçava o fazia como estalão da profunda ignorância, ou se era uma defesa contra as fragilidades em que medrava.

Tudo à volta é de uma imensidão que quase rivaliza com o infinito. E, todavia, quando voltamos o olhar para dentro descobrimos a exiguidade. Não é contradição. Jogam-se planos diferentes. Que ninguém se admire com as diferentes órbitas que confluem num estuário que reconcilia os contrários. Talvez os que de si têm uma imagem sumptuosa sofram os maiores sobressaltos ao serem confrontados com âmbitos diametralmente opostos. Estão habituados a terem de si próprios uma imagem que é maior do que a escala por que se regem. Quando são atirados à imensidão que é exterior, sentem-se pequenas embarcações, autênticos barquinhos de noz, à mercê da vontade de um mar deslimitado. Sabem que a sua vontade é irrelevante. Sabem que são irrelevantes no meio de um mar imenso. Mas não o reconhecem.

Só estamos em paz interior ao percebermos a pequenez em que nos alojamos. Levanta-se uma aragem de perplexidade quando olhamos à volta e anotamos os desabridos personagens que insistem que são peças centrípetas do mundo. Só se o mundo se resumir às suas tão pequenas pessoas, o que revela a ideia do nanismo em que se debatem, fingindo não ser esse o seu covil. Tudo se resume ao fingimento. A métrica representativa da existência geral. Muitos intuem a grandeza que os assola em pesadelos disfarçados de sonhos. A insistência cobra-se na ilusão que os acompanha, duradouramente. Lançados os dados, o que fica à mostra é a sua insanável pequenez.

É nas costas da imensidão que somos figurantes. Desenganem-se os que aspiram a condição de atores, o estrelato inconsequente que se consome num momento sempre efémero, por mais que se arraste no tempo. Não conseguem passar de aspirantes. São como marinheiros demenciais que levantam âncora, sabendo do mar tempestuoso que será o lugar tumultuoso em que será feita a sua expedição. Não é uma aventura. É o lugar demencial que edificam como sepultura ajuramentada. Enquanto o fado desafortunado não os golpeia de vez.

Sem comentários: