Primeira interrogação: as campanhas eleitorais servem para definir o voto ou para o alterar durante o seu curso? Ou, de outra forma: há eleitores permeáveis aos desenvolvimentos de uma campanha eleitoral? Excluam-se das interrogações os episódios sísmicos que podem mudar o curso de uma eleição – uma revelação bombástica que desonra um candidato, uma declaração desastradamente pomposa que destrói todo um capital de credibilidade que houvesse, só a título de exemplos –, nas demais situações custa a crer que uma campanha eleitoral seja o fator que decide uma eleição.
Pressuposto de análise: do posto de observação em que me situo, tomo a análise como o cenário que me influencia. Não pretendo ser a árvore representativa da floresta, nem reclamo, a meu desfavor, o estatuto de cidadão iluminado que sabe recusar os múltiplos logros (de mensagem e, sobretudo, comunicacionais) de que é composta uma campanha eleitoral. Este é apenas o posto de observação que posso testemunhar.
O fator abundante em campanhas eleitorais é a ocultação de verdade e a mentira premeditada, a mentira sem escrutínio que pode influenciar o eleitor médio, o vazio de ideias, as propostas irreais (que, iludindo o eleitor, constituem mentiras), os ataques pessoais quando o tapete foge sob os pés do candidato ofensor. Raramente uma campanha eleitoral consegue ser esclarecedora. Na pior das hipóteses, pode levar as pessoas a votarem num partido porque caíram no logro da mensagem deturpada, do ataque pessoalizado sem fundamento, da distorção da História, da ocultação do passado, da adulteração de factos. A parte substantiva de uma campanha eleitoral corresponde a deitar areia para os olhos do eleitor. O que não devia passar de um método – e de um método que, se a honestidade intelectual fosse o perímetro de ação, não seria admitido – passa a ser a substância. Será, talvez, porque os candidatos possuem informação fidedigna de que o eleitor médio não sabe distinguir o acessório do essencial e não percebe quando lhe atiram areia para os olhos.
Quando a desonestidade intelectual corta transversalmente o discurso de um candidato, e quando não há meio efetivo de escrutinar quanta desonestidade intelectual está contida nos episódios que preenchem uma campanha, qual é a serventia das campanhas eleitorais? Os candidatos esgrimem entre si numa cortina de sombras que deixa vir à superfície sucessivas mentiras que se escondem no princípio geral da desonestidade intelectual. As campanhas eleitorais tornaram-se fatores de desconstrução (no que à palavra se associa uma conotação negativa), de adulteração, de ocultação, de enviesamento intencional, de ataques pessoais quando um candidato se sente acossado. Tornaram-se o palco privilegiado para atirar areia para os olhos dos eleitores e, ato contínuo, retirar dividendos da operação.
Se não fosse por obrigação profissional (mais do que por imperativo de cidadania), recusava-me a ser espetador de noticiários televisivos e leitor de páginas de jornais que retratam o andamento de uma campanha eleitoral. Com o passar de sucessivas eleições, a degradação da qualidade das campanhas eleitorais tem aumentado. Se um eleitor souber em quem vai votar antes da campanha, evitar as sinuosidades de uma campanha eleitoral é um exercício heurístico. Para os demais, é muito provável que a decisão seja influenciada por episódios que correspondam à sua posição de agentes passivos a quem a areia é atirada aos olhos. E, como é sabido, quando temos areia nos olhos não se pode dizer que o olhar seja trespassado pela lucidez.
Sem comentários:
Enviar um comentário