As tempestades assaltam a curadoria das almas. Se não se precatam, a erosão apodera-se delas e serão como rochas desprotegidas a receberem toda a pujança das marés expostas à fúria das borrascas. Serão consumidas na fervura ácida das marés, até os esqueletos não passarem de fantasmas furtivos.
As almas precisam de refúgio. Pelo menos durante a invernia que as desacautela. Precisam de encontrar uma inverneira que as faça descer dos tentáculos das tempestades. Uma espécie de exílio, temporário. Para saberem que não têm olhos intrusos a esquadrinhar os seus meandros, como se alguém lhes tivesse encomendado a empreitada do julgamento das almas alheias. Para não serem testemunhas do indisfarçável regozijo dos próceres de aleivosias várias, que passeiam a sua prosápia medida pelas sinecuras que o estatuto lhes diz conferir.
Ao menos, na inverneira das almas, o fingimento é cautelar. Elas entram num labirinto à prova de balas. Uma vez isoladas, dedicam-se à sua própria sindicância. Sem intromissões ou degraus caucionados por imprevidentes fautores de causas nos outros. As almas deviam saber que não são objeto de observação exterior. Só elas se podem sindicar. Só prestam contas a si mesmas. Apenas o podem fazer quando os elementos exteriores, em sua convulsão, são isolados da equação. Elas são o seu próprio fruto sumarento. Não podem ser colhidas por outros.
É nas inverneiras que as almas se distinguem umas das outras. Às que não chegam a tempo do refúgio ajuramentado fica o sobressalto contínuo, um feixe de vultos que as tomam de assalto, exaurindo-as da sua identidade. Os efeitos de uma tempestade de Inverno podem ser devastadores. As feridas abertas podem ser irrecuperáveis. Diz-se que as almas precisam deste tirocínio para, calejadas, serem resistentes às contrariedades. As inverneiras das almas provam o contrário. É na serenidade do lugar onde se refugiam que cultivam a lucidez para saberem domar as contrariedades.
Quando a invernia desiste de comparecer, as almas dizem adeus temporário às inverneiras que as acolheram e sobem aos promontórios. Estão preparadas para serem, outra vez, a atalaia do mundo.
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