11.1.22

Matemática avençada

Black Country, New Road, “Concorde”, in https://www.youtube.com/watch?v=yjC4qXiBRu4

Uns regentes por aí, que adoram jogar com as estatísticas. Gostam quando torcem tanto o braço aos números que, por fim – e com a indulgência da turba amestrada ou suficientemente anestesiada –, os números falam aquilo que eles querem que seja falado.

Não se trata de matemática avançada. Todo o seu contrário: ele há tanta manipulação, tanta ocultação de dados, todo o cenário ensimesmado que recusa comparações (que serviriam de desmentido das loas que os regentes e seu séquito tecem), que desta matemática se dirá ser uma matemática distorcida. Uma matemática avençada, pois está de avença tomada ao ser obrigada a falar uns números que serão ornamento da mensagem que pretendem apregoar.

A matemática avençada é prima próxima da má engenharia. A que se indispõe nos cálculos e arrepia caminho a estruturas que tremem ao primeiro abalo sísmico, podendo desabar como sinal da inépcia dos seus autores. A culpa sobrará sempre para o sismo, não para quem não soube acautelar as suas consequências. São terríveis, as consequências da matemática avençada. Se a audiência estiver distraída, ou se for suficientemente amestrada, não será muito diferente de ir a uma feira e comprar ao feirante bem-falante e espalha-brasas mercadoria que, saber-se-á pouco depois, é contrafação. Talvez as pessoas se satisfaçam com contrafação. Estão no seu legítimo direito. Não se estranhe a confusão entre matemática avançada e matemática avençada. Não saberão distingui-las. A matemática oferecida pelos regentes será tomada como matemática avançada. Nem que seja a prova irrefutável do atraso que se condensa na urdidura do tempo, contra a anestesia dos súbditos.

Como ser acrítico faz escola – nada melhor do que a bovinidade instalada para não haver questionamentos incómodos –, a matemática avençada não é entendida como tal. São uns lampejos acendidos pelos números que interessam, sem procurar indagar se outros números não servem de contraditório. O que conta é o primeiro número servido pelos néones dos cartazes que encimam praças e rotundas. O número que interessa servir no prato arrefecido da população diligentemente hibernada. Mas os regentes anunciam, pomposamente, que já não trazemos à lapela a mácula da iliteracia. Eles precisam de anunciar uma realidade que seria desmentida se a matemática não fosse avençada. Sobrevivem porque constroem cenários idílicos, sem correspondência com o chão que pisamos.

O grande logro espalha-se de uma extremidade à outra do lugar. Um vírus silencioso que deixa os desatentos observadores na posição de seguidores acríticos do estado de coisas que os compromete a arrastarem-se num atraso irremediável. Com o beneplácito de quem aplaude estruturalmente regentes desta cepa.

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