15.4.22

Demolição construtiva

Fontaines D.C., “Skinty Fia”, in https://www.youtube.com/watch?v=E4qy_XEjjYc

Falo de estética sem manual de instruções. Falo de lógica que se fundeia num barco sem mar de fundo. A excêntrica indiferença que se agiganta na provável falta de coerência, os argumentos fluindo sem bússola. Se os dias futuros são um apanhado do passado, esta é uma previsibilidade que nos mata.

Há compêndios que ensinam a ser conservador. São lidos pelos que temem a mudança por não saberem o que os espera na vertigem da mudança. Se fossem jogadores, apostavam num tabuleiro onde as metamorfoses estão limitadas a pequenos passos. Esses compêndios fornecem a fórmula para a conservação dos elementos. Guardam os segredos que conservam a imagem do passado, como se fosse uma moldura que se enxerta no tempo por existir, ditando-o.

A fragilidade do chão conhecido não é admitida. Muito embora as adesões não sejam convincentes – filiam-se na exclusão de partes, com receio do incógnito –, as regras de ouro mantêm-se como corrimões a que as pessoas se agarram no jugo da sobrevivência. Assusta-as a ideia de refazer pedaços do estabelecido. Temem que as partes novas contaminem os equilíbrios do existente, sendo a matéria-prima para o seu estilhaçar. Não importa que o equilíbrio seja instável, e que até se possa interrogar se existe algum equilíbrio. No plano das hipóteses, resguardam-se da incerteza. Entre todos os males, que fiquem os males hipostasiados. Será preferível a entrar num quarto às escuras sem saber onde estão os interruptores, ou se existe claridade para atear.

A curta manta das probabilidades alarga o prazo de validade do contemporâneo. É como se fôssemos mecenas do que sabemos existir e ditássemos a sua perenidade. Não importa os que virão atrás de nós, a sua vontade por apurar. Essa é a nossa herança, uma concha fechada, hermética, que só pode ser aberta se a vontade dos vindouros se emancipar da inércia que lhes legamos. 

Tudo acontece ao contrário: perpetua-se o dia corrente para as fendas onde se alicerça o futuro, com o selo da educação com que instruímos os vindouros. Somos totalitários. Não lhes possibilitamos as ferramentas para demolir o que aprenderam. Encerramo-los nos curros onde transpira a forma de vida e os quadros mentais que herdámos dos antecessores. Se são válidos para nós, serão úteis para eles.

Se pudesse assinar um desejo para a provecta idade, diria que quero ser testemunha do desassombro dos vindouros quando tudo hipotecarem para, dos escombros, construírem um novo existir. Não me interessa julgar se será melhor ou pior, que os julgamentos não se fazem a destempo. Estes são os abaixo-assinados que estão em défice.

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