8.4.22

Ministério da promoção dos vícios e da repressão das virtudes

Ten Fé, “Waterfalls”, in https://www.youtube.com/watch?v=BNW4GIphNAk

Mote: no governo do Afeganistão há um ministério da promoção das virtudes e repressão dos vícios.

Os talibãs gostariam de ouvir trash metal? E de experimentar uma linha de cocaína? Ou de participarem numa orgia em que a única regra seria a inexistência de regras? Conseguir-se-ia levar um talibã a assistir a um culto (eu sei lá) da igreja ortodoxa? Eles gostam de golfe? E de gastronomia molecular? Os talibãs são boas pessoas?

(E o que é uma boa pessoa?)

Os talibãs seriam capazes de ler um livro de filosofia que ensina os rudimentos da liberdade? Sabem o que é a vida humana inviolável? 

(A interrogação também leva o endereço de outros déspotas.)

Serão os talibãs homossexuais reprimidos, para amesquinharem de tal maneira as mulheres? Conseguem olhar uma mulher nos olhos? E, caso não se confirme a propensão homossexual, conseguem proporcionar prazer a uma mulher, ou apenas se preocupam com o seu egoísmo? Um talibã sabe o que é a imparcialidade? E sabe o que sobra da dignidade?

Haverá a tendência para escarnecer da orgânica do governo talibã porque, no âmbito da sua sanha moralizadora sem concessões ao dogmatismo religioso, inventaram o ministério para a promoção das virtudes e repressão dos vícios. Escarnecemos, com a caução das autoridades que nos tutelam – essas mesmas que, descontados os pruridos da diplomacia (que, é verdade, não se levam em grande conta quando os interlocutores são os talibãs), depressa dirão seria impensável desembrulhar um ministério com semelhante designação. 

E, contudo, olhamos à volta e o que não faltam são os aprumos dos tantos engenheiros sociais que acreditam, e piamente (como se esta fosse a sua igreja), que devem ser escultores da sociedade até que um novo homem novo seja dado à estampa. Não temos ministério da promoção das virtudes e repressão dos vícios com o descaro de lhe imputar semelhante designação. Mas temo-lo por portas travessas, quando assistimos ao assalto contínuo aos “maus hábitos”, que, todavia, continuam a ser tributados pelos Estados; à prevenção das “más companhias”, não vá dar-se o caso de não sermos adultos ao ponto de não as sabermos distinguir e o mal que nos podem causar; só falta, um dia destes, criar uma direção-geral que emite recomendações, todavia vinculativas, sobre o certo e o errado na vida sexual dos cidadãos devidamente educados para serem aquiescentes.

A rebeldia que me assalta dir-me-ia, em voz aparatosa, para ser, por fim, apoiante de um governo se na sua orgânica houvesse o ministério da promoção dos vícios e repressão das virtudes. Só para, enfim, nos ser devolvida a liberdade que vem sendo retalhada em cada ensaio de engenharia social.

Os talibãs (dos costumes) estão por todo o lado.

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