6.4.22

Parque de estacionamento

The Black Keys, “Wild Child”, in https://www.youtube.com/watch?v=KKSmHOUaqaQ

A fúria sentada corrigia os verbos impróprios. A voz ao lado afocinhava no abismo, onde devia ser devedora ao silêncio: “está ali um parque de estacionamento”. Quem precisava de um parque de estacionamento?

Era o oposto. O que era preciso, insaciavelmente na postura dos dias, era desestacionar. Quem quer desestacionar dispensa parques de estacionamento. A preleção que se configurava no estamento visível era uma longa elucubração sobre a hibernação. E como a proteção contra a invernia era um atentado às almas que se empossavam no miradouro das palavras desembaraçadas. Dispensam esse amparo.

No fundo, era como se houvesse uma porta que dava acesso a um museu. Não se sabia o nome do museu – nem, tão pouco, a museologia inventariada. A porta fechada era um embaraço? Era prematuro dizer-se que a porta estava fechada. Podia apenas parecer trancada, mas carecia de confirmação. Quem desiste antes do tempo é uma mera partícula apassivante na modesta humanidade que o perfilha. A porta só podia ser dada como fechada se as mãos a empurrassem para atestarem o seu estatuto. 

A metodologia não parecia consentânea com a teoria do parque de estacionamento. Uma espécie de depósito recetivo a albergar todas as partículas apassivantes que desfiguram a antropologia. Eu disse: “precisamos de fugir dos parques de estacionamento. Urgentemente.” Porque não queremos ser vírgulas, e ainda por cima fora do sítio, a condizer com o estado geral de apatia gramatical que parece, por sua vez, condizer com o estado geral de hibernação que nos amordaça. Somos amordaçados, sem darmos conta.

Não é de parques de estacionamento que as almas irredentistas precisam. A menos que sejam almas contidas, almas sem pejo de procurarem os deslimites, os parques de estacionamento balizam a geografia que nos admite. Não queremos constituir uma amálgama que se revê na indiferença. Não queremos ser o juro negativo do futuro que nos espera. Não queremos ser a nossa própria calamidade.

Os parques de estacionamento deviam ser terraplanados e, no seu lugar, teatros deviam ser erguidos.  

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