1.4.22

Pensamento limítrofe

Wolf Alice, “Planet Hunter”, in https://www.youtube.com/watch?v=t6eohMq7ACI

Único o pensamento contra o qual se protesta. Deixa vestígios de fraca linhagem: imposto como pensamento único, denuncia o pensamento dissidente, chegando ao limite de o apostrofar. Único o pensamento que se constitui pensamento único, nas grilhetas que silenciam os que nele não se reveem. 

Impõe-se uma contra-denúncia, tendo o pensamento único como alvo. A pluralidade do pensamento não transige com um pensamento único que se estende no planisfério, cerceando o terreno válido para o pensamento que nele não se revê. Apostam, uns, na complexidade do pensamento para lhe atribuírem pressupostos maximalistas, não reconhecidos pelos cultores do pensamento único. Outros insurgem-se contra o pensamento único, com violência retórica, por impedir a pluralidade que é genética à democracia.

(Faltaria sondar a genealogia do pensamento de alguns que protestam contra o pensamento único montados no argumento da redução de ideias com visibilidade no espaço público. São de alguns destes as credenciais totalitárias que se inferem do seu posicionamento sociopolítico e da sua bagagem ideológica. Contudo, não pode ser com base neste argumento que o acesso ao espaço público deve ser vedado a quem, se pudesse, o reduziria ao pensamento seu, depressa reconvertido em novo pensamento único.)

Toda esta ganga semântica é uma perda de tempo. Primeiro, os críticos do pensamento único têm acesso à voz pública e não são atirados para o degredo por vilipendiarem o que denunciam como pensamento único. Segundo, não colhe a reclamação de que são abjurados pelos tutores do pensamento único, como se a sua crítica travasse o acesso do pensamento crítico. Talvez seja (seu) defeito de formação: toleram mal a crítica – se é que a toleram – e confundem crítica com a intenção (ou a conspiração?) de vendar as suas bocas, atirando-os para o silêncio inapelável.

Em vez de categorias herméticas (pensamento único versus pensamento crítico), as baias da dicotomia deviam ser superadas. Os cultores do pensamento único deviam aceitar que não há imperativos categóricos, o mesmo valendo, com cores diferentes, para os tutores do pensamento crítico. Uns e outros deviam convencer-se que o único imperativo categórico com acolhimento é a recusa de todas as TINA (“there is no alternative”). Os críticos, em vez de darem abundantes contributos para uma farta sementeira de abaixo-assinados que denunciam a perseguição dos primeiros (que só existe na sua ilusão), deviam perceber que serem criticados não equivale a silenciamento.

A lógica da vitimização é um expediente de quem não aceita a crítica. Mal andaríamos se os que criticam não fossem suscetíveis de crítica exercida pelos criticados. O pensamento é periférico: cada um acolhe-se na sua ontologia, sem ter a pretensão de absolutizar o seu pensamento. Isto é pensamento único, por não reconhecer a existência (que não necessariamente a validade – e aqui entra o direito geral à crítica) de um pensamento alternativo. Por isso todo o pensamento devia ser periférico, munido de um periscópio que o habilite a sondar as ideias que lhe são limítrofes. Pois, por vezes, é este movimento periférico que dita a evolução de um pensamento que não se quer estático no tempo.

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