11.4.22

E tu, juravas fidelidade e amor à pátria?

Andrew Bird, “Atomized”, in https://www.youtube.com/watch?v=lM_nSyjS3yI

Há dias assim: a invocação do patriotismo, depressa confundido com a petição para sermos “bons cidadãos”. Não se discuta o imperativo, porque ele deve pertencer à ordem da consciência individual e até que ponto a consciência individual se integra no grupo e sabe articular as demandas do grupo com as suas idiossincrasias. Quando o presidente da assembleia da república, ao tomar posse, invoca insistentemente o patriotismo para se distanciar do nacionalismo (e dos nacionalistas), surgem interrogações que deviam ser respondidas por quem assim nos doutrinou desde a casa da democracia.

Sermos patriotas sugere um vínculo à pátria. Os politólogos e os filósofos já cuidaram da delimitação de conceitos, fixando as diferenças entre patriotismo e nacionalismo. O sentido corrente derrama sobre o nacionalismo uma certa toxicidade e denuncia os sentimentos negativos dele decorrentes. O patriotismo ultrapassa a lógica excludente do nacionalismo, pois um patriota não se situa num casulo contra o outro (o que não comunga a mesma pátria). Um patriota convive com o cosmopolitismo que se insinua na modernidade, com a fluidez das fronteiras e uma globalização intrusiva, mas a que o consumidor médio (a categoria que parece substituir a de cidadão) cede sem grandes concessões.

Num contexto em que o nacionalismo, um dos esteios em que se fundeiam os radicais de direita, vem ganhando popularidade, é compreensível que as linhas vermelhas que acantonam os radicais ao seu reduto obriguem a adaptar o pensamento e a retórica que lhe serve de suporte. Possivelmente, é a explicação para que um homem de esquerda, visto como o ideólogo do partido do governo, se socorra do patriotismo para aglutinar as hostes e desse modo promover a marginalização dos radicais agarrados ao nacionalismo.

Entende-se, possivelmente, mas não deixa de ser excêntrico, pelas perguntas que levanta. Ao ouvir o apelo patriótico do presidente do parlamento, surgiu uma interrogação: jurava fidelidade e amor à pátria assim enaltecida por tão importante figura da república? É quando entra em cena outra significação conceptual. Trata-se de jurar fidelidade, ou lealdade, à pátria que se entroniza como garante dos bons valores da cidadania (o que quer que isso seja)? Estabelecer uma correspondência entre fidelidade e pátria parece excessivo, pois essa correspondência tem o cunho dos nacionalistas. Quem jura fidelidade é quem está pronto a abdicar de si, um pouco ou até muito, se isso lhe for pedido pelo país. É mais lógico usar a palavra “lealdade” para caracterizar o vínculo de quem se mobiliza pela convocatória patriótica. Pois a lealdade não supõe um compromisso cego e acrítico, sendo pautado pela adequação entre fins e meios, pela avaliação (sempre subjetiva) da fronteira que não deve ser trespassada quando alguém alinha a sua lealdade pela pátria. 

(Quanto ao amor à pátria, a demanda é tão ilógica quanto admitir que se pode amar uma entidade como a pátria, sabendo-se que o amor é – ou deve ser – dirigido a pessoas, mas não no sentido da sua agregação numa entidade daquelas.)

Para o fim fica sempre a irrecusável subjetividade. Se a pergunta que dá título a este texto me fosse dirigida, a resposta era um não categórico. Não jurava fidelidade nem amor à pátria. O nascimento num determinado lugar é um acidente que não controlamos. O resto fica por conta da pertença, ou de como ela é irrisória, à comunidade que cimenta um sentido de identidade pátria. Uns têm-na, outros não. 

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