22.4.22

Fugir de fantasmas é um desporto radical

Eagles of Death Metal, “Save a Prayer”, in https://www.youtube.com/watch?v=cdf_Rtif59c

“O medo de fantasmas é o maior fantasma que pode fazer desmoronar uma pessoa”, leu algures num tempo já esmaecido. Não podia deixar de concordar. Faltavam muitos degraus para o olimpo e nem assim se incomodava com as apoquentações correntes, aquelas que atacam as almas e as deixam sobressaltadas. Considerava-as coisas comezinhas e a mesquinhez não era a sua especialidade (julgava em causa própria). 

Era capaz de jurar que conseguia ver pessoas desorientadas que erravam pelas ruas como se fossem perseguidas por fantasmas. Como é próprio da matéria, os fantasmas não se dão a conhecer na sua transfiguração em pessoas, pois é da natureza dos fantasmas serem apenas fantasmas. Mas essas pessoas talvez estivessem na posse de capacidades extravagantes que permitiam assinalar a existência de fantasmas, especialmente se estivessem no seu encalce.

Outro mito é a malignidade dos fantasmas. Fala-se de fantasmas e o imaginário popular depressa arranja palcos onde se congeminam perseguições implacáveis, o fantasma na posição de predador e os simples humanos à sua mercê como presas. Pode não passar de um mito, pois os fantasmas têm vida própria e não estão vinte e quatro horas, sete dias por semana (e por aí fora, na cronologia do calendário) ocupados a atormentar as vidas dos outros. Não é assunto que suba a terreiro, o que contribui para a injustiça que se abate sobre os fantasmas. Mas eles também dormem e têm de ir à repartição de finanças e a restaurantes e, eventualmente, às discotecas da moda e ao teatro e ao coreto do jardim quando fazem de sociólogos amadores.

Contudo, havia fugitivos do nada que corriam rua fora sem que os demais conseguissem ver uma alma existente a persegui-los. Não havendo manicómios nas imediações, não se levantava a hipótese de serem loucos na folga do manicómio a encenarem a sua loucura em público. Outra hipótese era esboçada: as pessoas fugiam de si mesmas, elas constituindo os seus próprios fantasmas. Aprisionadas nos sobressaltos interiores, medravam em perseguições inventadas. 

Talvez dormissem mal com a revelação das suas pessoas. E estas se confundissem com fantasmas arrancados às algemas que as aprisionavam. Estes fantasmas não passavam de eufemismos delas mesmas.

Sem comentários: