24.6.22

Aritmética por um triz (short stories #384)

Goon, “Angelnumber 1210”, in https://www.youtube.com/watch?v=Uzu_AOa4JzY

          Sabíamos, de fonte segura, que não sabíamos de nada. Nem as contas mais simples, aquelas que nos devolviam à simplicidade de um fiorde, ou as que se antepunham ao punhal que afligia a jugular. Nas ondas amenas, o mar convidava-se a ser forasteiro – ou cicerone, não tínhamos a certeza. Se as espadas se terçassem com a diplomacia dos beligerantes, seríamos todos nados-mortos e todos os lugares seriam ermos de gente. Mas sabíamos apenas que tudo o que soubéssemos era como uma página do calendário que deixava muitas mais por desfolhar. Diziam: é um contratempo quando os planos são como pneus furados. Mas o mal é teimar-se na estultícia dos planos. Ao deixarmos de lado a contingência, aquela imponderável peça do tabuleiro que não conseguimos domar, fica o tremendo vazio contra o qual investimos em armaduras. Voltamos à aritmética. Pudesse ser a tatuagem da simplicidade e aportaríamos a um rubicão. Mas até a aritmética encerra o seu sortilégio. Contamos os números para rimarem com os objetos da contagem e não podemos garantir que a contagem não deixou de parte um ou mais objetos. Até a aritmética é complexa, como é a atenção de que somos devedores. No penhor das cicatrizes para memória futura, somos indigentes quando emolduramos o esplendor de nós mesmos, como se fosse possível sermos de uma grandeza que a nossa própria existência desmente. Parece que dedicamos o tempo a reparar os arrependimentos açambarcados, sem prevermos que os arrependimentos não são curadoria admitida a concurso. Em vez de tudo isso, se a humildade pagasse juros seríamos credores ao enjeitarmos a estatura excêntrica que amiúde embainhamos. Prevaricamos ao contemplar a estatuária que de nós mesmos deixamos em legado sem legatário. O melhor receituário é contarmos os números, um atrás do outro, vagarosamente. E contarmos com os favores da irrelevância.

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