13.6.22

Sentido único (ou: sentido estatístico)

Dinosaur Jr., “Feel the Pain”, in https://www.youtube.com/watch?v=JXkN3nJyWEA

Uma banda de veteranos toca num concerto. Já tinham estado na cidade há nove anos e há seis anos. Nessas alturas, perguntei-me se seria a última vez que os via ao vivo. São veteranos. Perdem a chama, esgota-se a criatividade, deixam de ter energia para continuarem a dar concertos. Um depois do outro, provam na carne a teoria da efemeridade da vida, estilhaçando a banda. 

Não se confirmou há nove anos. Três anos depois estavam de volta, um pouco mais veteranos, mas ainda com nervo. Não se confirmou seis anos depois. Outra vez um pouco mais veteranos e quase sem se notar a diferença de força e de empenho. Voltei a perguntar se seria a última vez. Eles são veteranos e se são veteranos, como estamos, eles e eu, na mesma órbita etária, também serei veterano.

Não consigo evitar o lugar-comum da introspeção: o tempo varre-nos, irredutível, e com ele dissolvem-se capacidades. Será mais difícil um músico perder capacidades do que um melómano que continua a ter predileção por concertos? Não há regras estabelecidas. Exige-se mais energia aos músicos que sobem a palco. Até se pode especular (é voz corrente no meio) que os músicos envelhecem mais depressa por serem um legado vivo de uma vida de excessos. A outra incógnita é sobre o estado do espetador. Não se formalizem princípios gerais.

Saltei no futuro. Como se, numa viagem a um lugar distante de casa, a uns anos do tempo presente, descobrisse que a banda um pouco mais veterana ainda estava na agenda cultural da cidade para o dia seguinte. Sem hesitar, procurei bilhetes para o concerto. Encontrei-os. No dia seguinte, cuidaria de desmentir a profecia a destempo, quando vi ao vivo a veterana banda pela terceira vez. Haveria uma quarta vez e não sabia, no dia do terceiro concerto, que o tempo se haveria de adiar até os músicos veteranos ou eu (ou todos nós) nos extinguirmos do inventário dos viventes.

Neste breve salto no futuro, pude de lá trazer a imagem límpida do tempo sempre contingente. Da contingência tentacular, que se pode jogar contra nós ou ser nossa aliada. Nessa ascensional divagação fora do tempo, percebi que não devemos ser reféns da tirania das conclusões precipitadas.

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