Era uma almotolia enferrujada. Parecia um objeto vocacionado para o esquecimento, despojado entre a quinquilharia que sobeja do inútil medrar da iniciativa dos Homens. Teria sido, em tempos distantes, depósito de azeite. Na extremidade por onde escorria o azeite notava-se uma pústula encardida de gordura enfezada. Se houvesse algum líquido no interior da almotolia, seria impedido de sair pelo periscópio obstruído.
Numa noite de Inverno, um génio emancipou-se da almotolia. Afinal, não era azeite que preenchia o interior selado da almotolia. O génio isentou-se das algemas da almotolia. Como era possível que uma figura daquela estatura estivesse contida num objeto tão exíguo? Percebia-se. O génio tem diversas faculdades que não estão ao alcance do comum dos mortais. Era como um faquir que tornou o corpo compacto para poder hibernar anos a fio dentro de uma pequena almotolia. Ou como um mágico que desafiava as leis da física.
Não se percebia, nos primeiros instantes, se o génio era de boa cepa ou se vinha ao mundo dos mortais para espalhar o contrário da bondade. De início, o génio não estava interessado nas contingências do mundo a que passara a pertencer. Considerava-o enfadonho – muito embora não se distinguisse maior animação no longo tempo em que esteve hibernado dentro da almotolia. Andava o génio na sua vidinha mundana – talvez aprendente das primeiras observações do novo mundo em que aterrou – quando foi interpelado por um médico oficial. Queria, o perito, fazer uma avaliação do estado de saúde do génio. O génio, que fora encontrado nos preparos de disfarce de um simples mortal, estranhou a demanda. Os génios não têm maleitas. Os seus corpos são imateriais.
(E assim se tornou claro que os génios precedentes, entretanto encomendados ao inventário dos mortos, não eram génios.)
Depois de fugir do médico, com uma estratégia de diversão digna dos melhores espiões, o génio convenceu-se que tinha de ser prudente. Não podia correr o risco de ser descoberto (ainda era requisitado por um governo para tornar a respetiva política acima de qualquer crítica, contribuindo para a sua eternização no poder e para a negação da democracia). O génio queria estar isento de médicos e das exigências (e dos direitos também) da cidadania. Era o mínimo que se podia pedir a alguém que foi gerado, e espontaneamente, nos confins do azeite.
Se se soubesse deste segredo, os que popularizaram o azeite como epitome da inestética teriam de rever os seus quadros mentais.
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