Só os operadores de fotografia, quando se moviam pelo processo de revelação, tinham acesso aos negativos. O avesso das fotografias. Era como ver as pessoas do avesso, ou como elas tivessem sido vestidas ao contrário e as tonalidades invertidas mostrassem o escondido que navega na oposição do sangue.
Era do negativo que muitos concorriam em negação. Soubessem ser íntegros na compleição do que são, teriam de arrematar o seu negativo. Teriam de saber das costuras da alma que se alinhavam no lado oculto. Teriam de partir em demanda do avesso da alma para de si saberem um pouco em acréscimo.
Uns escondem-se involuntariamente do seu negativo. Ignoram a sua existência, convencidos de serem curadores do seu nanismo. Outros são delinquentes voluntários do avesso de si mesmos, ocultando o negativo de propósito. Alguns por temerem que o negativo revele um eu embaciado pelo seu avesso, um eu que não colha a apreciação geral do avaliador. Outros, por suspeitarem que o avesso que escondido vegeta na sua penumbra possa ditar uma convulsão, um abalo telúrico para o qual não estejam preparados.
Não devíamos recusar o negativo. Devíamos tê-lo entre as mãos, pendê-lo na linha do horizonte e partir para uma observação cuidada e meticulosa. Da silhueta, das diversas tonalidades que percorrem o corpo, da alma no seu estado avesso. Devíamos, na posse do avesso, sondar as propriedades químicas do sangue, do qual apenas sabemos viajar nas veias. E devíamos tirar notas, mentalmente, para coligirmos os dados e cotejá-los contra a ideia que temos de nós mesmos. Para percebermos se o retrato do avesso diverge da imagem que temos de nós, ou se até no avesso coincidimos com a fotografia na forma positiva que tiramos na andadura do quotidiano.
Na hipótese de o negativo ser o avesso do positivo, caber-nos-ia intuir se do avesso revelado não sobram intenções para memória futura. Caber-nos-ia decidir, em harmonia com o sangue em acalmia, convocar fragmentos do negativo para os adicionar ao positivo existente. Dando cobertura a um novo retrato na sua ilharga positiva, à mercê da metamorfose operada pela incorporação de vestígios, em doses variáveis consoante as pessoas, do negativo dado em revelação.
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