Teríamos a ponte pênsil como reparação da carne viva. As nuvens estão a favor e o vento pressente falas madrigais. Em vez do sobressalto, a carne saneada abre mão dos artifícios que embalam quimeras sem provimento. Levantamos o cálice às paisagens por demandar, como se fosse a jura que as contempla nas imediações do tempo vindouro. Aceitamos o sangue sem dolo.
As madrugadas passeiam no umbral da matéria sem nome. Delas se entoavam os piores pregões, as madrugadas entendidas como o furto inominável dos pesadelos. É esse o cais de onde acertamos as juras alinhadas com o tempo futuro. Não transigimos no verbo imperativo do presente. Sabemos que não há melhor definição para o irrepetível. Aprovamos o conceito como o alicerce que nos amarra a um sentido.
Se fossemos reféns da transcendência, cozíamos as mãos às paredes onde se instruem mitos arcanos. Preferimos a transfiguração dos lugares que se opera através da nossa presença. Sabemos: um lugar não volta a ser o mesmo depois de ter sido escrutinado pelos nossos olhos diligentes. As paisagens ganham novos limites. As cidades transpiram um suor como se fosse bênção. Parece que os idiomas passam a ser inteligíveis e os rostos forasteiros não deixam de ser forasteiros, muito embora neles se aprecie uma familiaridade que não encontra explicação.
Já somos de uma cepa que habilita a medir os momentos que levitam na sua irrepetível condição. Encarnamos essa paradoxal perenidade à medida que sentimos o relógio do tempo centrípeto a andar para trás. Não nos dissuade a participação da efemeridade. É o contrário: a efemeridade educa um certo sentido de perenidade que se prolonga na consagração dos lugares irrepetíveis, das pessoas que não voltam a coincidir no mesmo lugar, das palavras que não voltam a ser ditas, dos dias que só têm uma oportunidade no atlas do tempo.
Temos a noção do irrepetível. Às vezes, fracassamos: o irrepetível é desmentido pelo seu oposto, mas não nos demovemos pela traição às probabilidades tecidas no cenáculo de onde apreciamos a andadura do mundo. O que se torna irrepetível demora-se na memória, como numa montanha que compreende várias camadas que se gastam, umas atrás das outras, para nossa serventia. Não é pelo passado que olhamos as cicatrizes que pesam. Deixamo-las à sua errância, a elas e ao tempo pretérito, nós, viciados na inventário do irrepetível. E sabemos que não há melhor fortuna.
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