Liberdade condicional. Como um prato que é servido requentado, que perde qualidades. Ou o divórcio entre o solenemente proclamado, que se torna uma entediante teoria, e a prática aprendida pelos olhos que colhem os espinhos da realidade.
Sim, liberdade condicionada: porque os poderes a ela nos condenam, mercê das exceções que caem a rodos sobre o santuário onde a liberdade se frui, legítima e genuína. Todos esses alçapões tornam mirífico o santuário da liberdade. Dizem os que nos tutelam: sim, liberdade (sem o açaime dos adjetivos que a limitem). Mas não resistem à tentação de a limitar. Sempre em nome de exceções, ou de dilações, que impedem – assim o encenam – a liberdade de ser genuinamente legítima.
Liberdade de opressão, portanto. A cada limitação que a subjuga a outras prioridades, transfigura-se. Deixa de ser a liberdade que não devia aceitar nenhuma palavra como sua consorte. A liberdade quer-se livre de outros apodos, quer-se solteira. Sempre que alguém força a liberdade a um matrimónio de conveniência, começa a sua corrupção. Os súbditos, condenados a abdicar da rebeldia benigna, amesquinham-se na passividade em que são instruídos. A passividade confunde-se com uma obediência acrítica a quem determina a medida da liberdade. Quando a liberdade tem tamanhos e varia consoante as circunstâncias e o humor dos seus tutores, é uma liberdade condenada à decadência. Uma liberdade em opressão.
Os representantes têm predileção para falarem em meu nome, no nosso nome. Gozam da proteção do formalismo: se são os representantes eleitos, podem e devem falar em nome dos representados. Depressa tomam posse das generalizações. Ao usarem a fórmula “os portugueses”, exercitam uma mal contida vaidade – afinal, se assim falam e é no uso dessa condição, é porque uma maioria neles delegou a representação. Raramente se conseguem desprender desse pretensiosismo. Quando se apresentam como porta-vozes dos “portugueses”, abarcam todos sob a sua asa, como se não houvesse, entre os “portugueses”, quem não se reveja no que estão a dizer em seu nome.
Um quinhão de árvores não faz a floresta inteira, por maior que seja essa parcela. O sufrágio a favor dos regentes parece torná-los insindicáveis. São usurários de um poder que lhes foi delegado. Não é um poder intransitório, nem um poder que não se sujeita a limitações. Sob pena de não se poder falar de liberdade sem a adstringência de outros termos, mas apenas de uma liberdade que é o objeto vívido de uma opressão. Uma opressão que se esconde na rarefação da liberdade.
Os oxímoros não deixam de o ser por força de decreto, ou por autorrecreação dos regentes.
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