O papel de parede não mentia. A desmoda era a moda da casa. Era como nadar de costas, e porque as costas não tinham olhos era sempre nadar ao acaso, antes que a nuca esbarrasse no proémio da piscina. Se a nuca não vê, como podem as mãos esculpir um aplauso a uma estética dissidente? Era preciso medir os termos da questão, em sentido próprio: a formatação dominante ensina a subjetividade da estética. Quem podia censurar o papel de parede? Ainda houve quem protestasse: não é aquele papel de parede que desautoriza a estética, é cobrir as paredes com um (qualquer) papel de parede. A discussão continuava aprisionada à subjetividade da estética. Quem escolhe forrar as paredes de casa com papel de parede está convencido que as paredes, como o interior da casa, não têm de estar à mostra. É uma metáfora da privacidade que deve ser um ademane. Os nórdicos não compreenderiam a peleja, tratando-a como uma frivolidade. Mas os nórdicos não usam sequer cortinas, deixando as suas casas à mostra de quem as inspeciona desde o exterior; do menos se dirá da sua preocupação em ocultar as paredes através de um tratado que as protege com papel de parede. Cada um escolhe a matriz que enforma as braçadas dentro de água. Uns saberão gostar apenas de nadar quando os olhos sabem o rumo a levar. Outros não se importarão de nadar de costas. Não terão medo dos obstáculos que podem aparecer no caudal. Os proveitos serão estimados no inventário que se estabelece no fim do período. Provavelmente, o arsenal de certezas fica reduzido a estilhaços depois de escrutinadas as paredes das casas. Haverá que nomear um julgador à prova de inclinações estéticas. Alguém com a imparcialidade de quem ousa nadar de costas.
14.10.22
Nadar de costas (short stories #410)
Joe Jackson, “Steppin’ Out”, in https://www.youtube.com/watch?v=PJwt2dxx9yg
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