As agulhas não vinham a propósito. Todos os instrumentos precisos (a fita métrica, a tesoura e os alfinete) estavam estendidos no estirador, à espera da sua serventia. O modelo circunstancial esperava, em pé, os cabelos grisalhos como medida da paciência enquanto esperava pela prova do fato. Um fato à medida é sempre um fato à medida. Não pode haver melhor medida do narcisismo (poderiam, com desdém, protestar os opositores dos luxos burgueses).
Havia contraindicações da usura dos modos. Ainda se, ao menos, fosse um dandy – pois os dandies são aceitáveis enquanto ornamentos exuberantes da paisagem e, assim como assim, são dissidentes da monotonia que vestia os habituais clientes do alfaiate, os piores embaixadores da burguesia decadente. O alfaiate tentava insinuar uns gramas de mudança, rompendo com o marasmo agonizante em que medravam os habituais clientes. Traduzia as contraindicações, sugerindo uma saída airosa que os pusesse a coberto da crítica mordaz dos críticos dos habituais clientes.
Não se sabia se o alfaiate estendia ao comprido uma generosidade todavia não demandada pelos habituais clientes, ou se intuía uma solução para a sua empreitada não ser colonizada pelo padrão habitual – se não era ele que precisava de novos ares. Não era claro se o alfaiate posava ao lado dos habituais clientes ou se desejava, com o convencimento da mudança, estender os seus horizontes e ser afoito na indumentária mercada aos habituais clientes. E até podia dar-se o caso de o passa-a-palavra trazer novos clientes ao estabelecimento – mas não o podia confessar, para não ficar à mercê do impiedoso bastão dos críticos da semântica burguesa.
A empreitada do alfaiate estava condenada a ser efémera. Os clientes habituais estavam habituados a serem habituais clientes e não aceitavam sair um milímetro dos padrões estilizados. Alguns reagiram com desconforto à sugestão de possibilidades só ligeiramente extravagantes. O alfaiate tinha um dilema a conviver com a almofada: ou capitulava ao conservadorismo da clientela habitual, em nome da sobrevivência do negócio, ou ousava perder clientes que deixariam de ser habituais, podendo arrastar o negócio para a falésia da falência.
Pesou as contraindicações. Arriscou. Perdeu grande parte da clientela habitual. Alguns converteram-se ao estilo mais ousado, talvez por pressentirem que ser dandy participava da resistência ao escoar do tempo. Passou a ter uma nova constelação de clientes, mais jovens e com abertura de espírito às extravagâncias que, todavia, para eles não eram a tradução do código de vestuário.
Depois de apuradas as contraindicações, o alfaiate era uma pessoa que acordava todos os dias sem o cenho carregado, como outrora.
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