Não deixes que as sombras embaciem a pele. Às coisas destemidas, não se vira o rosto. Não é o sargaço que recolhes da maré. É a herança que sobra depois de o lugar ficar ermo e só se saber dos despojos quando eles ocuparem o silêncio.
Remedeia os haveres perdidos: se não te deres às contingências, não terás lição para as superar. É assim que apanhas os vultos distraídos. Aproveita o vento a favor. Aproveita para deduzir as culpas não formadas, enquanto lá fora se diz que é tarde. Dir-te-ão que estás sitiado. Que é inato à nossa condição. E que devemos uma capitulação, sentados em cima da inércia que nos poupa ao dano. Pelo menos, é assim que querem os regentes ensoberbados. Os que se cobrem de vaidade ao saberem que estão investidos dos poderes máximos que permitem exercer o poder sobre os demais. Estes, lamentáveis, condutores de almas.
Tens uma forma de resgate mesmo á mão. Ou várias. Aqui só importa avivar a memória de uma delas. Torna-te gigante por dentro da tua pequenez. Finge que és uma farsa. Ninguém te apanha, desse modo. É importante que não te iludas: ocupas um lugar irrelevante no teatro onde se engenham as coisas. Dirás que nunca tiveste a ambição de subir a escada, nunca quiseste fazer parte da putativa elite dos “notáveis”.
Pedes: se alguma vez estiver a um singelo passo de ser alistado nos notáveis, apaga o meu nome do inventário das existências. Não me deixes ocupar a soberba correspondente à notoriedade. Não me deixes perder tempo com as coisas frívolas. Se perder a noção da minha posição, é teu imperativo ditar o resgate. Nunca dele se dirá que foi contra minha vontade, que para me resgatares é preciso que a minha vontade esteja inanimada. Confiro-te esses poderes de latitude larga. Tornas-te, aqui e por esta forma, meu máximo procurador.
E se mesmo assim me debater, com o respaldo da aparente ilusão de ascender a um lugar centrípeto, atalha o grande mal com o remédio máximo: duas pauladas na moleirinha, seguidas de banho retemperador e da proverbial justificação da supressão da vontade, em voz devidamente elevada. Às vezes, são precisos mil fermentos para alijar os fantasmas que urdem conspirações.
Saberei que não esperas gratificação. Sabes que faria outro tanto por ti, ou em teu nome.
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