Os cães ladram e ladram, sem chegarem a morder. A vozearia é de sobra para intimidar. Até que os que se habituaram a ter medo medem as probabilidades e pressentem que a intimidação não se traduz em dano tangível, em dano maior. Os cães até podem ladrar e ladrar, mas descobriu-se que não têm dentes e a carne que os desaconselha já teve dias melhores.
Mas uma fama inteira não se despromove sem meticulosa desconstrução. Os rufias são rufias e não será por acaso. Deixaram um rasto de medo, um resto de medo. Atrás deles vinham estórias de terror, com a violência esbracejada sobre quem aparecia no seu caminho. Não eram eles que se desviavam, que não conhecem caminhos alternativos às retas que desenham. Os outros, contratempos que exigiam afastamento, é que tinham de procurar outros caminhos. Não quisessem dar de caras com os rufias, para a integridade física não ser descasada.
Foi em cima da fama de rufias que os rufias medraram à conta de um mito da cidade. Eram uma casta a que só os despudorados e os que não conseguiam um lugar nas instituições à custa das suas capacidades (ou de especiais conhecimentos) pertenciam. Vangloriavam-se de o serem. Não lhes explicassem o significado da legalidade. O campo da ética não era de sua visitação. Foi em cima desta mitologia que foram narrados enredos vários e os rufias embestaram os pergaminhos do medo.
Houve um momento em que surgiu a hipótese de os rufias serem apenas uma onomatopeia. Começou o passa-a-palavra do cão que muito ladra e não chega a morder. As pessoas que estavam de fora da seita dos rufias começaram a perguntar umas às outras pelo paradeiro das vítimas: quem, entre eles, já tinha sido arregimentado para o medo pelo abocanhar doloroso dos rufias. Não havia inventário a registar. Nem havia, nos registos da polícia, rufias a serem visitantes dos cárceres por manifesta delinquência.
Os rufias eram uma imagem vazia. Houve um dia em que todos perceberam que os rufias eram um mito, e que o medo deixava de ter um dicionário. Continuava a haver rufias, mas sem idioma por preencher. O medo evaporava-se na contrafação dos rufias.
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