18.10.22

Um má notícia sobre uma má notícia é uma boa notícia

Sorry, “Let the Lights On”, in https://www.youtube.com/watch?v=rNaBYq1-Tqs

Sobre a arqueologia de uma má notícia: às vezes, é só mudar a predisposição do olhar, aplanar preconceitos e usar a figura de estilo dos contrafogos para reduzir uma má notícia ao seu contrário. Por exemplo: o que seria considerado uma má notícia dá à costa; antes que ela contamine o sangue com os vultos associados e os labirintos sem porta de saída, ateia-se um fogo contra a combustão exercida pela má notícia. E fica-se à espera. À espera que o fogo ateado, ao esbarrar contra o fogo causado pela má notícia, consuma o oxigénio que é o rastilho desta.

Para lidar com uma má notícia não se exige apenas flexibilidade mental. É preciso usar uma hermenêutica que, sem fazer concessões à prestidigitação que apenas finge a inexistência da má notícia, lance sobre esta um anátema. Pode-se duvidar que os efeitos da má notícia sejam devastadores. Pode-se questionar o seu emissário: se a reputação for equacionada, é a própria má notícia que fica em causa. Pode-se usar o método da relativização: sem esconder que a má notícia o é, os seus efeitos são rasurados ao levantar a hipótese de outra notícia, possivelmente mais devastadora, poder ter dado à costa em vez da má notícia por que se sofre. 

As más notícias também se expõem a uma epistemologia. A alienação é o método mais capaz de obliterar uma má notícia. Os que se dedicam à pureza da realidade que é servida ao olhar não inquisitivo dirão tratar-se de um método sem asas para voar. Insurgem-se contra a alienação, por a julgarem uma artificial cortina de fumo que apenas finge que as más notícias nem sequer aconteceram. 

Todavia, quem decide sobre a admissão da alienação é o próprio que lhe dá caução. Ele pode, por exemplo, denegrir a má notícia, corrompendo os seus efeitos nocivos. Pode fazer o papel de agente conspirador, que procura desvalorizar uma má notícia ao atirar sobre ela outra má notícia. Esperando, sob o efeito da matemática, que dois números de sinal negativo se tornem num número positivo: ou, uma notícia má vertida sobre uma má notícia tem de ser uma boa notícia, se a má notícia afetada pela má notícia que sobre ela se deita for anulada.

E assim fica provado que há más notícias que são boas notícias.

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