23.11.22

A comunidade possível (dodecálogo)

Pond, “Man It Feels Like Space Again” (live at Electric Brixton), in https://www.youtube.com/watch?v=JvMrZEgcAok

(Sob o manto da aparência, um exercício de resignação?)

I. Não se alinhavem as bainhas da perfeição. As pessoas estão longe de a açambarcar. Não se exija à comunidade o que não é do domínio das pessoas.

II. Não seja distante o sedimento da ambição. Se nos regermos pela passividade, ficamos à mercê da diligência dos outros. Não se suponha ser foragido esse cenário. Os insubmissos não estão habituados a amesendar à mesa das resoluções.

III. Não seja uma desambição, o porvir. As fogueiras só se ateiam para memória futura. 

IV. Não se finja o arsenal inacessível. As armas que se terçam no lugar onde todas as beligerâncias são recusadas não coabitam com o vazio dos rumores. 

V. Não sejam vãs as comendas, se o memorial se extingue nos vestígios do passado. 

VI. Não se confunda a memória com o cimento da pertença. As saudades são mitológicas. A boa fazenda não se compadece com figuras messiânicas, meteóricas como sempre o são.

VII. Não se evoquem os nomes herdados do futuro – os nomes depressa condenados à ausência. O horizonte não se adivinha no selo branco dos sonhos.

VIII. Não se levantem bandeiras arcaicas. As juras efémeras jogam-se contra a sindicância das almas, depressa volúveis na confirmação dos estilhaços em que medram.

IX. Não se lancem os dados na provecta imagem da esperança. O conhecimento alivia o desencargo da indigência.

X. Não se confundam os verbos gastos com os que se assenhoreiam do vindouro. Os oráculos dissolvem-se na medida de um tempo que não se confirma. As dores ficam por conta dos que sobram para o inventário.

XI. Não se convoquem as testemunhas da exaltação coletiva. A dilação esconde as fragilidades não reconhecidas. A carne está tatuada de fragilidades.

XII. Não sejamos arquitetos de obras sumptuosas, janelas miríficas abertas sobre ao anoitecer quimérico, poemas extáticos que glosam uma gesta predestinada, um escol que irradia a claridade que se escondeu, por eras a eito, nas sombras avivadas desde os cárceres que encerravam os espíritos. Sejamos a safra que o imperfeito instante cuida de conspirar.

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