Uma lupa. Uma lupa intrínseca, para poderem revistar milímetros de forma que pareçam quilómetros. Nunca em exercício introspetivo: o empreendimento direciona-se para fora do ser, para os outros que são titulares de vidas mais interessantes.
A lupa sofre um súbito embaciamento quando obedece ao efeito boomerang. Empalidece. E, tomada por uma timidez que a condena à miopia, a lupa cala-se quando inventaria os detalhes que haveria a anunciar da vida própria. Estes meirinhos que perscrutam vidas exteriores mostram uma generosidade desarmante. Sua é a confissão (todavia não apalavrada) de consigo carregarem vidas desinteressantes, sem-sal, vidas que não dariam direito a biografias. É um desprendimento que não pode deixar de ser louvado.
Quando a demanda se enlaça na peugada de vidas outras, os meirinhos exercem um metódico inspecionar que não deixa nada ao acaso. É como se cada segundo dessas vidas estivesse à mercê do escrutínio dos presuntivos engomadores de vidas alheias. Como cães pisteiros, farejam cada milímetro das vidas alheias. Talvez encontrem pecadilhos que mereçam denúncia, pois muito embora ninguém lhes tenha endossado o mandato de avalizadores morais, eles chamam a si a incumbência na mesma. Não é de estranhar. De tão desinteressantes vidas, são sanguessugas das vidas que se alinhavam pelas costuras da controvérsia. Ficam reféns de um papel contraditório: oferecem ao escrutínio público os desvios dos cânones, e escondem, em segredo, como gostariam de saber conduzir as suas vidas pela mesma craveira.
Vão ao fundo das suas algibeiras para disfarçar as ambições de serem o que participam em forma de libelo acusatório. Aspiram o desprendimento das peias que os mantêm nas baias da pequenez. Soubessem ao menos compreender que não há correspondência entre a dependência dos lugares-comuns e uma existência à prova de bala, e deixariam de carregar o fardo que os acantona no fundo das pequenas algibeiras de onde espreitam.
Sem comentários:
Enviar um comentário