Não são abutres. Nem daqueles mordomos que cuidam das cerimónias que homenagem os finados. Não são, tão pouco, párias que dissidem da pertença, uns apóstatas da sociedade. Passeiam-se como párocos da seriedade. Esse é o paramento que envergam, a par com a sua melhor figura que traduza a solenidade que vem sempre a rimar com a probidade. A verdade não se finge. Não se diga o mesmo da mentira.
A si chamam a comenda da integridade. Não há quem com eles ombreie na récita da honestidade. Se forem desafiados por uns órfãos de reconhecimento que os encostam à mentira, exasperam-se. Tartamudeiam palavras que se atropelam umas às outras e, trapalhões, juram vingança na barra de um tribunal, que não se hipoteca a honra de uma pessoa de forma tão leviana. Nem a suspeita que levantam pode ser usada a seu desfavor: o ónus corre por conta de quem acusa alguém de ser mecenas da mentira e, mesmo assim, ripostam como se fossem onerados com o arsenal do desmentido. Alguém os devia advertir: quem é acossado pelo estigma da mentira e reage como se tivesse de provar o contrário, tem contas cúmplices com a mentira. De outro modo, não daria o flanco.
Seja dado vencimento à hipótese de alguém se sentir lesado ao ser encostado às cordas da mitomania. Quer os que são aí depositados por mera infâmia. Quer os que sabem, em pergunta à consciência, que a acusação tem fundamento, mas não dão o braço a torcer. Não se sabe como tirar as medidas de um e de outro. Pode-se peticionar o princípio da insuspeição até prova em contrário, o que nivela o mentiroso escapista e o injustamente difamado. Não deixa de ser um tabuleiro confortável para o mentiroso rotineiro.
Até a prova em contrário, os mentirosos nunca são. Eis o convite materializado para os mitómanos sem remissão o serem sem que seja mostrada a gramática das suas mentiras. Podem ser, ao mesmo tempo, patronos e guarda-costas das mentiras. A sobreposição de papeis reforça a dúplice condição com um só propósito: a mentira irrecusável. Mentir é fácil.
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